sábado, 18 de fevereiro de 2012



19 de fevereiro de 2012 | N° 16984
UM RETRATO DO BRASIL


Um sorriso abriu-se no rosto de Leonir

Milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema ao longo dos últimos 10 anos, uma transformação feita de histórias como a da família Mariano e de seu filho Leonir, que nasceu na miséria e hoje está prestes a ingressar na classe média

Há uma década, em fevereiro de 2002, o olhar de um menino indígena foi o símbolo da miséria em uma reportagem de Zero Hora. O futuro fadado à pobreza se transformou, 10 anos depois, em um retrato da prosperidade brasileira.

Hoje, da janela de casa, Leonir Mariano, 14 anos, estampa o sorriso de quem tem esperanças, é bem alimentado e acumula projetos. Como milhões de brasileiros na última década, a família dele avança rumo a uma vida melhor. Se tudo der certo, os Mariano, que já migraram da classe E para a D, ingressarão na classe C neste ano.

– Pretendo estudar bastante, arrumar um emprego e ter uma vida melhor – diz Leonir.

Em 2002, os pais dele, Aristides Mariano e Silvana Cardoso, viviam na miséria extrema. Com 33 anos, Aristides lamentava a vida precária em um casarão de madeira em Benjamin Constant do Sul, no norte do Estado. A família comia basicamente o que plantava, e como o que colhia era pouco, a fome imperava. Dentro de casa, só tinham camas, um fogão e uma mesa sem cadeiras. A água não era encanada. Escola, só a quilômetros de distância.

Silvana Cardoso, então com 26 anos, trançava cestos e balaios para completar a renda que, quando muito, beirava os R$ 400 mensais. Na época, o casal só tinha dois filhos e vivia um futuro sem perspectiva.

Um ano e meio depois de relatar o desespero a ZH, com mais uma filha para alimentar, eles foram buscar abrigo em Ronda Alta. No distrito do Alto Recreio, reduto indígena onde moravam parentes, o recomeço foi sofrido. A única renda eram R$ 200, menos do que o salário mínimo, que Silvana conseguia trabalhando como doméstica.

Em 2006, após três anos, as perspectivas mudaram: Aristides arrumou emprego na linha de produção de um frigorífico, em Sarandi. Da janela da casa de madeira construída às margens da rodovia Ronda Alta-Três Palmeiras (ERS-324), Leonir começava a sonhar com um novo futuro.

Três anos depois, a família se mudou para uma casa de tijolos obtida por meio de um projeto habitacional do governo. Estão lá até hoje, e a renda familiar equivale a quase três salários mínimos. Foi alcançado o sonho da casa própria, o maior da população de baixa renda, segundo o Data Popular, instituto de pesquisas especializado nas classes populares.

Na casa dos Mariano, hoje, há comida comprada no supermercado em estoque nos armários da cozinha. A família tem televisão, antena parabólica e até DVD. A mais recente aquisição foi um freezer. Em vez de vender milho e feijão, a lavoura deu lugar a um barzinho.

Uma pequena placa pendurada em um fio de luz na lateral da casa anuncia a venda de refrigerante, cerveja e vinho colonial. O mesmo fio de luz liga o casebre à antena parabólica instalada no quintal.

O bar foi aberto há algumas semanas e já deu resultados. A renda é de pelo menos R$ 400 por mês. O plano é ampliar o negócio, aspiração empreendedora que é outra característica da nova classe média brasileira: seis em cada 10 pessoas disseram ter pretensão de abrir o negócio próprio em pesquisa do Data Popular.

O artesanato virou passado. Hoje, as mãos de Silvana embalam Suellen, de quatro meses. Às vezes, Leonir cuida do bar enquanto as irmãs Silmara, 12 anos, e Janice, 11 anos, fazem o serviço doméstico.

Diante da ausência de Aristides durante o dia devido ao trabalho, Silvana é quem comanda a casa. A educação é uma prioridade para ela:

– Sonho que meus filhos estudem muito para serem alguém na vida.

A escolaridade dos jovens da classe média está mais próxima da dos jovens de elite, revela o Data Popular. Filho mais velho, Leonir já mira o mercado de trabalho, mas ainda estuda. Está na 6ª série:

– Ainda não sei o que vou fazer no futuro, mas quero ajudar minha família.

Somando os R$ 166 que os Mariano recebem do Bolsa Família à renda recentemente conquistada com o barzinho e o salário de R$ 950 de Aristides, a renda mensal da família chegou a cerca de R$ 1,6 mil. Três vezes mais do que nos tempos de Benjamin Constant do Sul. No limiar entre as classes D e C, a família projeta ultrapassar a barreira ainda em 2012.

A família não tem computador nem acesso a internet, mas sonha em obtê-los neste ano. De 2001 a 2011, a existência de computador na casa das famílias de classe D saltou de 1,7% para 20,9%. Na classe C, para onde avançam os Mariano, 50% das famílias já têm internet com banda larga. Mas tudo ao seu tempo, diz Silvana:

– O passado foi difícil, mas a vida melhorou. Espero que melhore ainda mais.

leandro.becker@zerohora.com.br

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