Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 18 de fevereiro de 2012
O espírito da folia carioca
Cenas de cordialidade como as que existem no Rio de Janeiro não se veem em Paris, Londres ou Nova York
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br
Não havia nem uma moeda na bolsinha de crochê com chave, celular e filtro solar. “Moço, estou com um problema”, eu disse, constrangida, ao senhor que trabalha no quiosque da Praia do Arpoador, depois de beber com um amigo a água doce e fresca de dois cocos verdes.
“Estou sem dinheiro nenhum, esqueci em casa.” “Mas que problema”, perguntou Jósa, sorrindo, gentil, com o facão na mão, “os cocos não estavam bons?” “Ótimos”, respondi. “Então não tem nenhum problema”, ele disse, “uma boa praia para vocês.”
Eu fiquei de pagar depois. Não nos conhecíamos. Eu me divertia, ele trabalhava, num canto da orla carioca de onde avistamos o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea ao fim da curva de mar, areia e barracas coloridas.
Pensei. Em Paris, Londres ou Nova York, essa cena de cordialidade não existiria. Os vendedores de lá cobram com rigor cada “centime”, cada “penny”, cada “cent”, jamais arredondam um preço para baixo – e não há a menor chance de que eles retribuam com um sorriso generoso uma falta de dinheiro imprevista.
“Princesa, que horas são?”, pergunta o banhista de sunga. Não tem “bonjour” nem “merci”, não tem “hi” e “thanks”, é uma consulta direta, sem um pingo de cortesia formal, mas sedutora na medida da carioquice. Pode ser o sol, os blocos de rua, a determinação de ser feliz em fevereiro. O carioca anda mais extrovertido e simpático do que já é.
Não importa o resto. Ele parou de acompanhar o julgamento do Lindemberg, a ficha suja dos políticos, o careca do mensalão, a greve que se desmilinguiu em confete, os bueiros explosivos, a gasolina mais cara, os fantasmas do Senado e os taxistas falsos que desonram a fantasia de pirata nos aeroportos. Por um tempo, só importa se vai dar praia, se o banho de mar está liberado, se a cerveja está gelada e se cabem mais seis no boteco lotado, mesmo em pé do lado de fora.
Esse Rio pré-carnavalesco atrai, hoje, 800 mil turistas. Deles, 250 mil são estrangeiros, os mais apaixonados pela beleza da cidade. Não há como andar sem ouvir francês, inglês, italiano, espanhol e outros idiomas egressos da neve. Dos turistas de outros Estados, paulistas e mineiros são os campeões. O mais curioso é que passou a ter muito carioca no Carnaval do Rio. Porque os blocos de rua foram ressuscitados. Em vez de ir pular no Nordeste, o folião carioca agora fica nas quebradas de sua cidade.
Cenas de cordialidade como as que existem no Rio de Janeiro não se veem em Paris, Londres ou Nova York
São 425 blocos, de janeiro até o domingo depois do Carnaval, quando o Monobloco arrasta 400 mil na Avenida Rio Branco. Os nomes são poéticos, como o Simpatia é Quase Amor. Irreverentes, como o Suvaco do Cristo, Spanta Neném, Desliga da Justiça. Picantes, como Vem ni Mim que Sou Facinha, Fogo na Cueca e Só o Cume Interessa.
No som, há uma mistura até blasfema, de tão democrática. Tem brega, rock, sertanejo e MPB. Sempre em ritmo de samba. Preta Gil levou 250 mil foliões para o centro do Rio e fez a multidão rezar um padre-nosso pelas vítimas dos desabamentos recentes.
Por um bom (ou mau) tempo, o Carnaval carioca se resumiu ao desfile das escolas de samba, a rua tinha dançado. “Quando eu era jovem, ou alguém me arrumava um ingresso para a Sapucaí ou eu ia para Salvador, Angra, Petrópolis”, diz o prefeito Eduardo Paes, de 48 anos.
“Em vez de ignorar, resolvemos abraçar os blocos, organizar, dialogar. E estamos evoluindo ano a ano.” O que não vai ter nunca, diz Paes, é cordinha, camarote ou corredor para os blocos. Têm de se concentrar nos bairros de origem e ser ampliados nos subúrbios.
Claro que o trânsito complica. Mas a comunicação e o esquema funcionaram melhor, e os engarrafamentos foram menores. No último fim de semana, 700 mil pessoas desfilaram em paz em 111 blocos no Rio, com muita azaração e criatividade. E menos lixo, menos vândalos e menos mijões que nos anos anteriores. Há mais banheiros disponíveis. Canteiros foram protegidos por redes na orla da Zona Sul para não ser pisoteados.
Em Santa Teresa, bairro ferido de morte pelos desastres com bondinhos, o primeiro destaque do sábado de carnaval será o Céu na Terra. O homenageado será o bondinho. O Cordão da Bola Preta irá da Candelária à Cinelândia.
A Banda de Ipanema obrigará os ipanemenses a deixar o carro em casa. No Bloco do Barbas, em Botafogo, o carro-pipa deve refrescar os foliões. O Empolga às 9 sairá em Copacabana, na Avenida Atlântica. De bônus, temos as musas dos blocos, essas moças de gingado carioca sem anabolizante.
Alienação? Transtorno? Pode ser, se você torce o nariz para esse delírio popular. Para quem festeja a volta da folia de rua após tantos anos de Carnaval exportação, é hora de curtir, não no Facebook ou na televisão, mas na vida real. Ao ar livre, com cantoria, suor e beijos. Deixe o samba correr.
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