segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012



27 de fevereiro de 2012 | N° 16992
PAULO SANT’ANA


Jamelão exegeta

O lendário puxador de samba da Mangueira, meu amigo Jamelão, com quem compartilhei muitas rodas de samba e grandes almoços em Porto Alegre, conseguiu mudar para pior a linguagem jornalística.

Explico: sempre que algum jornalista o entrevistava e empregava a palavra puxador, Jamelão o corrigia, dizendo que não era puxador, que era intérprete.

Jamelão dizia que não puxava sacos no porto, que não puxava saco, que não era portanto puxador, era intérprete.

Visivelmente, o grande cantor achava um desmerecimento ser chamado de puxador.

Tanto Jamelão, o maior de todos os puxadores do Carnaval brasileiro, insistiu em amaldiçoar a palavra puxador, que a Globo e todas as emissoras que transmitem Carnaval aboliram da linguagem a palavra puxador e passaram a usar a palavra intérprete.

Estão todos errados, o principal cantor de uma escola de samba é o puxador.

Intérprete é uma palavra feia e esnobe. Intérprete é o exegeta, o hermeneuta, o analista.

Nunca aquele que lidera em melodia e versos um samba-enredo na avenida foi e será um intérprete, sempre será um puxador.

Por sinal, não conheço palavra melhor empregada que puxador para aquele que é a estrela-guia de uma escola de samba na avenida.

De uns anos para cá, não existe um só puxador, são diversos, que se agrupam em torno do carro de som e lideram sua escola no desfile, todos cantam baseados no que canta o puxador.

Intérpretes são os milhares de integrantes de uma escola de samba, puxador só existe um, aquele que pelo microfone conduz o canto de toda a escola.

Miseravelmente o jornalismo baixou a cabeça para Jamelão e substituiu a palavra puxador pela palavra intérprete, o que ficou feio, inadequado e pouco claro.

Conclamo a todos que voltem a chamar o puxador de puxador, uma ótima definição encontrada pelo povo para classificar aquele que puxa o samba, isto é, arrasta toda a escola para a letra e a melodia do enredo. Sem o puxador, a escola de samba ficaria à deriva e não se entenderia o desfile.

Lamentavelmente um capricho absurdo do Jamelão veio a modificar a língua portuguesa. Não deveriam ter dado ouvidos ao célebre sambista.

Terminou o primeiro tempo de um jogo que eu estava vendo pela televisão na semana passada e o narrador disse o seguinte: “Agora vamos passar para as grandes atrações do intervalo aqui em nossa emissora”.

Eu fiquei esperando os “melhores momentos” ou os gols dos outros jogos. Mas não, foi jogada na minha cara e na de todos os espectadores uma enxurrada de comerciais.

Foram cinco minutos de comerciais. As autoridades deveriam proibir por lei que qualquer emissora de televisão ou rádio transmitisse cinco minutos de comerciais. É demais, é um desaforo, um acinte, uma covardia com os telespectadores ou ouvintes.

Sei que as emissoras vivem dos comerciais. Eu, que trabalho em jornalismo há 40 anos, sei que fui sustentado durante esse tempo todo salarialmente pelos comerciais.

Mas então que qualifiquem os comerciais, que os resumam, que os dividam em espaços apocopados, mas não apliquem o castigo de blocos de cinco minutos em cima dos pobres coitados dos ouvintes.

É demais! E é tecnicamente contra os próprios comerciais.

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