sábado, 25 de fevereiro de 2012



26 de fevereiro de 2012 | N° 16991
PAULO SANT’ANA


Cabresto revezado

Esta é a história espetacular de um amigo meu que, por incrível que pareça, não vai se reconhecer nestas linhas.

Meu amigo conseguiu um ardil inimaginável: ele é ao mesmo tempo escravo e senhor de sua mulher. Não sei como conseguiu.

Se de uma parte meu amigo é obrigado por sua mulher a chegar em casa na hora do Jornal Nacional, por outro lado, incansáveis vezes, meu amigo faz viagens com seus outros amigos. Quando não está viajando, faz farras com seus amigos, vai aonde bem quer, se ausenta de casa por longas horas, sob o silêncio resignado de sua mulher.

Ao mesmo tempo em que é subjugado por sua mulher, meu amigo também a subjuga.

Ele conseguiu harmonizar em seu casamento, com rara e complicada sintonia, o modo como escraviza sua mulher, deixando-a pacientemente a esperar que ele chegue de sua larga liberdade, com a maneira que ele tem de ser dominado por sua mulher, submetendo-se fielmente às datas e horários determinados por ela.

Meu amigo é um artista. Ele e sua mulher conseguiram o milagre de mandarem um no outro e ao mesmo tempo serem mandados um pelo outro.

A banca paga e a banca recebe. Um dia é o de meu amigo ser livre, o outro dia é o de meu amigo ser inteiramente submetido por sua mulher.

Tanto o homem que é inteiramente dominado por sua mulher quanto a mulher que é inteiramente dominada pelo marido serão sempre, ambos, infelizes.

Mas meu amigo descobriu com sua mulher uma fórmula estupenda de levar à frente, com felicidade, o seu casamento: ele manda num dia e se submete no outro, alterna obediência com supremacia, sua mulher se sente senhora e escrava ao mesmo tempo. Ele é um rei e um súdito, tudo depende do momento. Há uma hora em que ela é a soberana, há outros momentos em que ele é o dono absoluto dos seus atos e desaparece o domínio de sua mulher sobre meu amigo.

No casamento, como em qualquer outra relação humana, aparece de maneira inevitável a necessidade do predomínio de um sobre o outro.

Como diz um médico meu, alguém tem de manejar o cabresto.

Pois esse meu amigo conseguiu a prodigiosa ciência de revezar o cabresto com sua esposa: uma hora ele domina, outra hora ele é dominado. O senhorio entre os dois é equilibrado, nenhum dos dois se sente humilhado, sabe que, se de uma vez o predomínio é de um, ali adiante será do outro.

Meu amigo desfruta tanto da liberdade quanto da restrição.

Meu amigo e sua mulher dão a todos nós que os observamos de longe a extraordinária lição de como devem se portar os cônjuges, equilibrando a balança dos pratos das relações, que ora pende para um lado, ora pende para outro.

O casamento assim só pode pender para o sucesso.

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