quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012



15 de fevereiro de 2012 | N° 16980
ARTIGOS - Astor Wartchow*


A próxima Eloá

As periódicas notícias de assassinatos de mulheres por ex-namorados e ex-maridos e, mais recentemente, o trágico desfecho do cárcere privado em Santo André (SP), ora em julgamento, me motivam a realizar uma associação crítica entre o excesso midiático e o ânimo deliberativo do próximo assassino.

Falamos do (falso!) amor que mata. Não eliminam uma pessoa. Em seu estado emocional, em seu (des) entendimento, eliminam um espírito, uma imagem, uma idealização, uma lembrança que os acompanha em todos os lugares. Um obstáculo insuportável!

Não é ciúme. É uma dependência psicológica do outro, uma séria crise de autoestima. Um profundo despreparo para enfrentar uma ideia de perda.

Na verdade, é a perda de si mesmo, porque “vive” sua vida na do outro. E se o outro o rejeita/descarta, é como se já não tivesse/perdesse a própria vida!

Admitida como coerente a pequena introdução – já que o objetivo não é propriamente escrever sobre a performance psicológica do assassino –, vamos à dita associação crítica.

Quero questionar a hipótese de influência de fartas notícias de outros e anteriores assassinatos, do mesmo tipo e motivação (ciúme), no ânimo e deliberação (de cometer a dita loucura) do próximo e potencial assassino.

A liberdade absoluta de imprensa – e também, e por consequência, a ausência de critérios éticos e sociais de controle da mídia – determinou, nos últimos tempos, uma avalanche de notícias, programas e entrevistas, em que se destacam o excepcional, o esdrúxulo, o ridículo, o trágico. Enfim, tudo quanto possa se caracterizar fora dos padrões comportamentais habituais e capaz de despertar a atenção massiva do povo.

Repetindo: acredito que a motivação definitiva da vontade de matar decorre da farta publicidade de um evento anterior nos mesmos moldes e motivações.

Creio que o freio impeditivo a qualquer ação violenta em relação ao ex-amor, capaz de causar dor e morte, é o sentimento de culpa decorrente da provável ação.

A ideia de não se sentir compreendido pela sua comunidade, num provável e pensado ato de vingança decorrente do sentimento humano frustrado, inibe sua ação violenta.

Todavia, quando toma conhecimento de outros atos vingativos através da imprensa (a televisão, principalmente), similares ao que imaginara praticar, percebe que há uma purgação pública e social do sentimento de culpa. Uma catarse!

A atenção midiática ao extraordinário, em nome da “santa” audiência, seja o caso do ex-namorado assassino, seja o do matador serial do parque paulista, provoca, do ponto de vista do assassino, a possibilidade de purgação, expiação e explicação da sua culpa.

O pós-crime, a publicidade, a entrevista, a possibilidade de sua justificação, de se fazer compreender além dos círculos das relações pessoais, animam o potencial assassino na consecução do plano nefasto.

Claro que não é a imprensa responsável pela morte seguinte. Mas, através da cobertura hipermassiva contribui e se transforma em meio, em instrumento de alavancagem do ânimo assassino.

A mesma culpa que hoje é fator de inibição pessoal, amanhã, porém, é notícia. E, logo, sendo pública e farta manchete a culpa, ela é de todos. E se é de todos, é de ninguém!

*Advogado

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