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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
14 de fevereiro de 2012 | N° 16979
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
Longe do Paraíso
Uma amiga diz que tenho cara de confessor. Segundo sua interpretação, que nem Freud explica, minhas feições comuns, um certo jeito quietão, um aspecto geral inofensivo despertam nas pessoas um invencível desejo de entregar confidências.
Não lhe falta alguma razão. Já ouvi segredos de gentes absolutamente desconhecidas, o que me causou ora surpresa, ora um mal-estar íntimo, que busco esconder como posso.
Viajava uma vez da Alemanha para a Suíça, quando os passageiros foram avisados, numa escala do trem em Bregenz, que uma avalanche bloqueava a linha quilômetros além e que perderíamos no mínimo três horas. Os passageiros estavam convidados a almoçar a bordo.
Escolhi uma mesa solitária do vagão-restaurante, ordenei um Dimple e examinava o cardápio quando uma jovem senhora pediu licença para ocupar a cadeira em frente.
Conversamos sobre temas educadamente triviais, quando ela disparou de repente:
– Me sinto perdida e só. Falo do que me espera ao chegarmos à estação terminal.
E então imergiu numa história desoladora, que a fazia amarga e órfã de esperança. Não vou repeti-la aqui. Basta dizer que a aguardava em Zurique uma situação-limite, uma espécie de muro entre o que fora até ali e o que seria depois. Existem momentos que subvertem uma vida inteira, e o mais cruel: são inevitáveis.
Desde o início adivinhava por que ela tinha me confiado suas angústias. Jamais tornaria a me ver. Se me permitem a gasta metáfora, queria um ombro para chorar. Dirigi-lhe umas palavras de conforto, em que nem eu acreditava, em coquetel com dramas idos e próprios, mais umas citações de leitura que pesquei no fundo da memória.
Ela me escutou calada enquanto bebericava o café. E aí ergueu-se sem aviso e se foi.
Não atino até hoje como foi o remate de seus males.
Só tenho certeza de que sou um péssimo confessor. A ninguém absolvo, para ninguém recomendo orações ou penitência, a ninguém prometo felicidade eterna.
Mesmo porque minha única certeza é a de que o Paraíso fica muito longe, talvez além da estrela Aldebarã.
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