terça-feira, 14 de fevereiro de 2012



14 de fevereiro de 2012 | N° 16979
FABRÍCIO CARPINEJAR


Motel de cachorro

Minha mulher decidiu que nossa cadela Cora teria filhotes. Ela finge que é uma pergunta, mas é uma decisão.

– Vamos cruzá-la com algum cachorro bonito?

Qualquer sim ou não de nossa parte jamais mudará o resto da história.

– Descobri um maltês passeando pelo bairro Moinhos de Vento, bem alegre, que tal?

Ela já havia recrutado o pretendente, falado com a dona, programado o namoro quando propôs o assunto para nossa família.

Eu não chamaria minha esposa de autoritária, eu a amo, o nome disso é liderança.

Cora não foi castrada e desfrutaria da chance de conhecer o príncipe de sua vida. Ou, pelo menos, experimentar um pouco de sexo para alimentar sua memória de janela e porta.

Ela sofre muito com os acessos de excitação. Diria que é um caso de dupla personalidade, um Cisne Negro em miniatura. Fica louca no cio, girando na ponta das patas. Seu pelo incha, espetado, poroso, como se todo o corpo fosse um interruptor da rua. Baba, a língua é de Gene Simmons, e transa com a cama rosa sem parar.
Coitada da cama acolchoada: agora furada e com a esponja saindo pelas quinas.

Scott seria a nova vítima da fúria predatória.

Ele apareceu em casa para uma experiência. O veterinário explicou que o enlace deve ser na residência da cadela. Uma das regras do flerte canino.

Eu me ralei. O apê recém montado transformava-se em motel de cachorro.

Brincalhão, fofinho, Scott contava com dois anos. Cora apresentava cinco. Se cada ano vale sete, os dois juntos correspondiam a um tórrido caso de um adolescente com uma balzaquiana.

Scott não se mostrava interessado em copular, e sim em brincar de chafariz. Mijou a sala 20 vezes. Cora subiu no sofá para escapar da irrigação da lavoura. Nem se tocaram. Chegamos à conclusão de que ela era uma cadela de família, certo que não daria no primeiro encontro.

No segundo dia, Scott não mudou a tática, Cora repetiu o isolamento do sofá e o tédio. O mesmo ocorreu no terceiro, quarto, quinto dia. Nenhuma montaria, cheirada, aproximação. Faltava química, biologia, matemática, física.

Cansados, sem pano seco para lavar o piso, abortaríamos a missão. Mas a esposa apanhou Cora fornicando com a caminha e chamou correndo Scott para aproveitar a libido em plena atividade.

Preparamos acepipes e deixamos os cachorros sozinhos na sala, à vontade, por uma hora.

Depois de um tempo, escutamos barulhos fogosos, latidos, gemidos.

Festejamos o fim da virgindade de Cora e a futura ninhada.

Ao espiar pela fresta, vimos Scott trepando com a cama da Cora, mordendo as almofadas, desesperado.

E Cora dormia no alto da cadeira, de camarote, bocejando com a ópera. Nem entre os cães funciona casamento arranjado.

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