segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012



20 de fevereiro de 2012 | N° 16985
KLEDIR RAMIL


Compadre

Zérineu é um mineirinho desses criados no meio do mato, lá pros lados de Guarataia. Gente boa, alma pura, amigo dos amigos. Seu único vício é o cigarrinho de palha e, de vez em quando, uma cachacinha no armazém do Seu Antonho.

As relações sociais na roça giram em torno dos parentes, dos vizinhos e, na época das festas de São João, da quermesse da igreja. E só. Todo mundo se conhece, se respeita, se ajuda.

Zérineu é casado com Lindalva, irmã gêmea de Lindaura, por sua vez casada com Mané Baiano, natural de Vitória da Conquista, mas criado por ali mesmo, desde criança. Apesar das casas separadas por uma cerca-viva, vivem praticamente juntos. Cada casal com seus filhos, uns já ajudando na roça, outros na escola.

Zérineu e Mané, além de dividir as gêmeas, aprenderam a dividir também o terreno que elas receberam de herança. É ali, do cultivo da terra, que eles tiram o sustento das famílias.

Os dois se tornaram grandes amigos. Mané, padrinho do filho mais velho de Zérineu, e esse, padrinho da primogênita do outro. A amizade entre os dois compadres só fez crescer com o tempo, auxiliada pela cachacinha do fim de tarde no armazém do Seu Antonho.

A bebida destilada tem esse poder, faz qualquer ser humano abrir o coração. Mais do que amigos, eram dois confidentes. A amizade entre eles tinha chegado àquele ponto em que um sabia tudo sobre a vida do outro. Era o que se imaginava.

Pois certo dia, num fim de tarde, aquela hora em que a noite vai chegando e começa a escurecer a paisagem, Zérineu ia voltando pra casa, perdido em pensamentos. Caminhando distraído, ele ouviu um barulho na mata e percebeu um movimento estranho no meio de uns arbustos.

Parou pra olhar melhor e não acreditou no que estava vendo. Seu compadre Mané, padrinho de seu filho, pai de família, seu amigo, seu irmão, pelado e enroscado com o rapaz que trabalha na roça do vizinho.

Sem entender muito bem a cena, tentando organizar as ideias, se aproximou um pouco mais e perguntou:

– Ô Cumpadi, é ocê mesmo aí, embaixo do outro?

E ouviu de resposta:

– Eu não! É ruim de ser eu, hein? Compadre.

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