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sábado, 19 de novembro de 2011
19 de novembro de 2011 | N° 16891
NILSON SOUZA
Transformação
Uma menina de prata, com asas de borboleta, reza pacientemente por mim enquanto busco inspiração para este registro sabatino. Observo sobre minha mesa de trabalho a delicada estatueta que ganhei de presente de uma amiga querida e penso no artista (ou na artista) que a criou. Terá ele (ou ela) se inspirado no mais belo de todos os insetos para produzir esta miniatura de Psiquê, a mortal que se tornou deusa exatamente por sua beleza incomum?
É uma das lendas mais encantadoras da mitologia grega. Psiquê, que na língua de Sócrates significa alma ou borboleta, era uma mulher tão linda, que despertou o ciúme de Afrodite – a deusa do amor, aquela que venceu o concurso de mais bela contra Hera e Atena, mas acabou provocando uma guerra.
Meio desmiolada, ela. Por isso, quando viu que os homens babavam em torno de Psiquê, resolveu arruinar sua vida e mandou o filho Eros (Cupido, para os romanos) feri-la com sua flecha enfeitiçada para que ela se apaixonasse pelo mais feio dos mortais. Cupido, porém, atrapalhou-se diante de criatura tão bela, arranhou-se na própria arma e ele próprio apaixonou-se pela mulher.
A história é comprida, não vou cansar a beleza das leitoras (e dos leitores, vá lá). Abrevio dizendo que, no final, eles foram para o Olimpo e viveram felizes para sempre. Já a borboleta não tem a mesma sorte. Sua vida é breve, embora possa voar longe e visitar muitos jardins antes de desaparecer. Mas impressiona por seu colorido e por sua beleza. Tanto que se transformou no desenho preferido das tatuadas, por representar a leveza e a liberdade.
Representa, também, a transformação.
O que mais me encanta e impressiona nesse inseto misterioso é exatamente a sua origem, digamos, pouco atraente. Toda borboleta foi um dia apenas uma lagarta medonha e faminta. Até que se dá a metamorfose, ela sai do casulo, flutua no ar como uma fada embriagada pelo perfume das flores e sai pelo mundo no seu voo errante e assimétrico.
Não sou muito chegado a fantasias e simbolismos forçados, mas uma vez fiquei intrigado com uma borboleta colorida que pousou no meu ombro repetidas vezes. Era verão e eu fazia exercícios num parque da Capital. Quando percebi a intimidade, retirei-a delicadamente com uma varinha fina, mas ela retornou ao mesmo ponto três ou quatro vezes. Acho que gostou do meu suor.
Ou, talvez, estivesse querendo me dizer que, ainda na sua breve existência, inspiraria um artista para que fabricasse uma linda estatueta alada. E que esta pequena imagem da mortal transformada em deusa despertaria no coração de uma mulher o desejo de me presentear. Daí por que a menina ajoelhada sobre minha mesa de trabalho me olha com tanta ternura enquanto tento transformar transpiração em inspiração.
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