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sábado, 26 de novembro de 2011
27 de novembro de 2011 | N° 16899
PAULO SANT’ANA
El reloj
Quando se é feliz assim como suspeito que andei sendo por três dias, o tempo tinha que parar. Quando chega a felicidade, o relógio devia parar.
Como diz o célebre bolero El Reloj, para que nunca amanheça, o relógio devia parar.
Para tornar perpétua aquela noite feliz, o relógio tinha de fazer o favor de parar.
Não se tinha de ouvir mais o tique-taque do relógio quando se instala a felicidade dentro de nós.
Para que nossa amada nunca mais se vá para longe de nós, o relógio devia parar.
Para que essas horas de encantamento e realização não se afastem de nós, o relógio devia parar.
É muito perigoso para quem está feliz que o relógio continue trabalhando.
O relógio, para melhorar a vida, tinha de ser um cronômetro, para que se pudesse pará-lo. E só religá-lo quando a felicidade fosse embora.
Que pare o tempo enquanto essa felicidade indizível está tomando conta de mim, que não se contem mais as horas, que paralise o calendário enquanto eu estiver usufruindo essa ventura inédita e embriagadora.
Examinando melhor agora, à luz desses argumentos, noto que o relógio é sério inimigo da felicidade.
É o relógio que nos obriga a acordar cedo para irmos trabalhar. É o relógio que faz acabar o baile em que dançamos felizes nos braços do nosso par amoroso.
É o relógio que ameaça que as nossas férias vão acabar daqui a três dias. E é o relógio que anuncia que daqui a três meses teremos de nos casar. O relógio só nos traz péssimas notícias.
Como também faz intuir a letra do bolero, beija-me, beija-muito, como se fosse esta noite a última vez. Beija-me depressa, antes que prossiga esse maldito e ameaçador tique-taque a apavorar o nosso futuro.
O tique-taque do relógio é que nos acorda para a temeridade que se encerra na vida.
Ele é que nos faz sentir finitos, ninguém está a salvo dele. Se não existisse o relógio, não sobreviria a velhice, viveríamos permanentemente sob o sopro da juventude.
Se não existisse o relógio, não teríamos nunca o sobressalto da incerteza, as espadas não estariam jamais suspensas sobre nossos pescoços.
Tão aparentemente necessário esse objeto chamado relógio, mas tão nocivo e devastador se torna quando lhe damos corda e ele começa a tiquetaquear.
No paraíso, tenho certeza que não tem relógio. Aliás, é interessante observar que nos cassinos nunca se viu sequer um relógio.
E, por outro lado, não há lugar em que o relógio seja mais necessário, até imprescindível, do que numa prisão: os detentos têm que adivinhar o tempo que falta para eles cumprirem sua pena.
Isto me dá a ideia de que nos países em que existe a pena de prisão perpétua, não é necessário o relógio nas celas das prisões.
Quem foi o homem que inventou o relógio?
Certamente o inventou quando notou que o tempo nunca cessava.
Per omnia saecula saeculorum.
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