quarta-feira, 16 de novembro de 2011



16 de novembro de 2011 | N° 16888
JOSÉ PEDRO GOULART


O caos e o inferno

1) Escrevo numa segunda-feira espremida entre um domingo e um feriado. Pobre dia para um redator. A semana começou com os ventos bravios da primavera mas lenta no noticiário.

Os assuntos fortes da outra semana ainda repercutem. Por exemplo, a prisão do chefe do tráfico na Rocinha, o Nem; achado, juntado, encolhido como um feto no porta-malas de um carro. Na delegacia, o traficante exerceu seu direito constituído e fez sua ligação permitida, telefonou para mãe; pediu a ela que fizesse com que os filhos dele fossem a escola normalmente.

A) Preocupação de pai, zeloso com os filhos?
B) Queria o traficante mandar uma mensagem pública de que com estudo ele não estaria ali?
C) Um aviso cifrado para os subordinados?

2) Três estudantes presos por fumarem maconha no campus foi o estopim que gerou a crise USP. Do que saiu na imprensa sobre a invasão por parte dos estudantes ao prédio da reitoria na universidade, o que mais me impressionou foi a rapidez em culpar a rapaziada.

Maconha, subversão, anarquia, os suspeitos de sempre: um eterno rodízio acusatório em prol do ordinário. Depois se soube dos excessos da policia, mesmo assim foi um “eles pediram” para cá, ou um “os filhinhos do papai” para lá; e por aí foi o andor levando seu eterno santo de barro.

3) Há um desejo de repressão no ar. A mesma polícia que quebra o circuito do tráfico e ajusta a ordem injustifica a ocupação dos estudantes. Da mãe do traficante até os papais dos estudantes muito se especula.

Dois momentos distintos da nossa cândida realidade, e só um tiquinho assim para uma mistura insidiosa de assuntos. Alguém aposta uma moeda de que o consumo de drogas irá diminuir no Rio de Janeiro, no Brasil, no mundo, depois da prisão de qualquer chefe de tráfico de qualquer favela? Ou que qualquer aluno de qualquer universidade deixe de fumar um baseado por falta do produto?

4) O jornais, as revistas, a imprensa formal, têm editores, pessoas que fizeram carreiras subindo degraus e se prepararam para separar o joio do trigo, pensar na informação, organizar o debate. O filme Contágio, do Soderbergh, põe no banco dos réus um blogueiro leviano que diante do caos provocado por uma contaminação global insiste em levar vantagens pelo fato de ter um instrumento poderoso e sem controle, a internet.

A falta de controle pode contaminar as opiniões?

Quem controla o incontrolável? Soderbergh, um cineasta de esquerda, fez um filme que defende o sistema? Quais os vírus mais perigosos, os detectáveis em laboratórios ou os inatingíveis por qualquer vacina, como a liberalidade? A liberalidade não é um preço a pagar pela quebra na espinha da mídia hegemônica?

5) Aliás, há vacinas contra o desejo de as pessoas se drogarem?

6) “Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem”, poetizou a polonesa Wislawa Szymborska, Nobel de literatura. A poesia faz sentido fora da poesia?

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