sábado, 26 de novembro de 2011



26 de novembro de 2011 | N° 16898
CLÁUDIA LAITANO


A consciência do limite

Uma letra de Jorge Mautner, transformada em uma espécie de funk carioca pelo músico José Miguel Wisnik, poderia ter sido usada esta semana como trilha sonora da votação no Senado do projeto de lei que dá fim aos fumódromos: “A liberdade é bonita/ Mas não é infinita/ Eu quero que você me acredite/ A liberdade é a consciência do limite”.

As campanhas contra o cigarro sempre se basearam em duas linhas de argumentação não excludentes: fumar faz mal para a sua saúde (e você deveria encontrar outro companheiro para o seu cafezinho) e fumar faz mal para a saúde inclusive de quem não fuma (e você deveria pensar mais nos outros antes de acender um cigarro).

A primeira linha de argumentação respeita a liberdade individual, mas apela para o instinto de sobrevivência. Hábitos tão pouco saudáveis quanto o cigarro – como as comidas gordurosas, o açúcar e o álcool – estão passando por um processo semelhante: chega uma hora em que o prazer culpado fica tão culpado, que começa a deixar de ser prazer, e esse pode ser um importante motor de mudança de comportamento. A segunda linha de argumentação, a que implica respeitar o interesse coletivo, tende a deixar de ser apenas um alerta para tornar-se coercitiva.

Se fumar fizesse mal apenas para quem fuma, é provável que não houvesse leis que controlam os lugares onde é permitido acender um cigarro. Foi preciso popularizar a ideia de que fumar não é uma opção individual, mas uma invasão do espaço aéreo alheio para que o hábito começasse a ser malvisto.

Pouco a pouco, as iniciativas de restrição de liberdade do fumante – no avião, no restaurante, no escritório – foram sendo assimiladas como naturais, até o ponto em que os próprios fumantes começaram a aprovar as leis que restringiam seus direitos. A proibição dos fumódromos é uma ofensiva ao último espaço público em que a liberdade de escolha ainda era admitida – e será assimilada como foram todas as outras.

A “consciência do limite” dos fumantes foi sendo construída ao longo de décadas, graças ao esforço de cientistas, médicos e tantas outras pessoas que se engajaram em uma incansável campanha de esclarecimento – enfrentando resistência não apenas de toda uma cultura de glamour associada ao cigarro, mas a enormes interesses econômicos contrariados. Essa guinada ideológica, levada a cabo em um período de pouco menos de 50 anos, é um caso fascinante de transformação de comportamento coletivo a partir da mobilização de diferentes frentes da sociedade.

A eliminação dos tristonhos guetos conhecidos como fumódromos, assim como a transformação estética e atmosférica dos charmosos cafés de Paris ou Buenos Aires, marca uma grande vitória para a saúde pública e oferece uma preciosa lição histórica. Não importa o quão arraigado possa ser um hábito, um vício, um traço cultural: não há o que não possa ser mudado, nem adversário tão poderoso que não possa virar fumaça da noite para o dia.

Nenhum comentário: