segunda-feira, 21 de novembro de 2011



21 de novembro de 2011 | N° 16893
L. F. VERISSIMO


Adivinha quem é?

Tudo começou quando ele chegou por trás dela, tapou seus olhos e disse:

– Adivinha quem é?

E ela: – George Clooney.

Pra quê. Inauguraram-se três linhas de raciocínio. Uma: ela realmente pensara que o George Clooney entrara na sua cozinha, pé ante pé, tapara os seus olhos com suas mãos e dissera “Adivinha quem é?”, ainda por cima em português.

– Por que não? – disse ela. E arrematou: – Tudo é possível.

– Faça-me o favor – disse ele. – O que o George Clooney estaria fazendo, já não digo na nossa cozinha, mas no Brasil, sem ninguém saber? Hein?

– Veio lançar um filme.

– Muito bem. Veio lançar um filme, se perdeu na cidade, entrou no nosso prédio, entrou no nosso apartamento, viu a porta da nossa cozinha aberta e você aqui, de bermudas, cortando cenoura, e decidiu entrar?

– Tudo é possível.

– E o português? Como é que ele sabe português?

– Como é que você sabe que ele não sabe português?

– Como é que ele passou pelo porteiro sem ser anunciado? Como é que tinha a chave do apartamento? Ora, faça-me o favor!

Segunda linha de raciocínio: fora uma brincadeira. Claro que ela sabia que não era o George Clooney, era o marido. Dissera “George Clooney” para fazer ele rir. Não esperava que ele não fosse gostar da brincadeira. O George Clooney na minha cozinha? Eu nestes trajes? Cortando cenoura? Claro que era impossível. Brincadeira.

– Não foi brincadeira. – Foi, bem.

– Não foi. Do jeito que você disse “George Clooney”, não foi.

– Foi o quê?

(Chegamos ao terceiro raciocínio).

– O tom em que você disse “George Clooney”. Quase um lamento. O que você realmente estava dizendo era “que remédio, só pode ser o chato do meu marido. Não pode ser outro homem, outra vida, outro futuro, longe desta cozinha, longe de tudo que é pequeno e mesquinho e previsível e...”

– Bem, vai pra sala ver seu Jornal Nacional, vai.

– A cenoura é pra quê?

– Refogado com vagem. Como sempre.

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