sábado, 19 de novembro de 2011



19 de novembro de 2011 | N° 16891
DAVID COIMBRA


Depois de tanto tempo

Débora, depois de tanto tempo.

Débora causara dor. Um dia ela disse:

– Não estou mais apaixonada por ti.

Direto assim. Suave, porém duro. Foi a pior coisa que ele ouviu em toda a vida. Nunca ouvira nada parecido. O que acontecia era o contrário: ELE se desinteressava pelas mulheres. Ele era o cara, o centroavante, o ídolo da cidade, desejado por todas, matador sobre a grama e sob os lençóis. Não podia uma mulher, depois de ano e pouco de namoro, chegar e decretar:

– Não estou mais apaixonada por ti.

Não podia. Até porque... (era-lhe difícil confessar) até porque ele continuava apaixonado por ela. Sim. Continuava. Ele, Darlan, o artilheiro, o homem que durante tanto tempo não teve mulher, teve mulheres, ele finalmente se apaixonara, decidira namorar, quem sabe até casar. Ele, que lhe cobria de presentes caros e coloridos, joias do Antônio Bernardo, viagens para além de oceanos, ele que lhe pagava jantares de 300 reais, ele que até vinha sendo fiel, ele ouvia:

– Não estou mais apaixonada por ti.

Darlan sofreu. Rastejou como um homem não deve rastejar. Implorou para que ela voltasse como jamais se deve implorar. Chegou a chorar alguns dias, sentindo pena de si mesmo, lágrimas e soluços vindos direto dos aurículos e ventrículos. Ela se mantinha impenetrável como uma defesa montada por Felipão. Ela apenas repetia, baixo e cortante:

– Não estou mais apaixonada por ti.

Darlan entrou em depressão. Parou de fazer gols, perdia pênaltis. Migrou para a mais sombria reserva. Demorou meses para se recuperar. Quando enfim conseguiu botar a cabeça para fora da tristeza, as névoas foram se dissipando, a vida foi se tornando de novo colorida e, um dia, tudo voltou ao normal.

Os gols foram retornando aos poucos, a camisa 9 foi-lhe devolvida e as mulheres voltaram a ser belas e desejáveis. Agora, quando a carreira de Darlan alcançava uma maturidade gloriosa, quando ele estava casado com uma boa mulher, com três bons filhos, agora que a vida parecia seguir um curso tranquilo e moderadamente feliz, justo agora luziu na tela de seu computador aquele email:

“Oi. É a Débora. Tudo bem?”

Só isso.

Depois de tanto tempo.

Ele ficou alguns minutos olhando para o email. O que devia responder? Ela só perguntava se estava tudo bem... Darlan aterrissou dedos trêmulos sobre o teclado e escreveu algo. O que foi exatamente nem conseguia se lembrar, mas funcionou. Começaram a conversar por email, a trocar informações. Ela também havia se casado, mas agora estava separada.

Um dia, assistiu a uma entrevista dele na TV e sentiu saudades. Ele pensava nela às vezes? Sim, ele pensava. Queria vê-la? Ele respondeu a essa pergunta com o coração dando saltos na garganta. Queria... Marcaram de se encontrar num fim de tarde, na praça de alimentação de um shopping.

No dia aprazado, Darlan chegou 15 minutos antes e ficou sentado no carro parado na vaga do estacionamento subterrâneo do shopping. Permaneceu com as mãos ao volante, tentando pensar. O que estava fazendo ali? O que significava aquele encontro? Débora. Será que ainda a amava? Sim... ele sentia algo poderoso por ela, sabia disso, não ia se enganar.

Se era amor, se era paixão, se era ressentimento, isso ele não sabia direito, mas sabia que sentia algo. Sempre pensava nela, volta e meia sonhava com ela, já a havia procurado no Facebook e no Twitter. Sim, ele sentia.

O que aconteceria naquele reencontro? Provavelmente eles começariam um caso. Claro. Afinal, qual era a razão de estarem ali? Eles não eram amigos. Eles não eram nada. Fazia dez anos que nem se falavam. Dez anos... Sairiam da praça de alimentação para um motel, se repoltreariam na cama, ele sussurraria no ouvido dela “Débora...”, e todo aquele sentimento voltaria com força renovada. Era isso que aconteceria, essa era a lógica.

E sua mulher, em casa? Sua doce mulher... Decerto que ela sentiria a mudança nele, as mulheres sempre sentem essas coisas. Seu casamento ficaria estremecido. Será que iriam se separar? E os filhos? Como viver longe dos filhos? Droga, ele gostava da vida que levava, gostava da mulher, da cobertura em que passavam os dias, de seus programas juntos, das viagens nas férias de verão. Teria de mudar tudo isso para ficar com Débora. E Débora?

Por que ela surgia agora? Será que ela havia engordado? Tomara que sim. Tomara que estivesse feia. Seria uma vitória para ele. Seria maravilhoso. Ele sairia do shopping livre daquela assombração, certo de que a vida acertara as coisas para ele, mesmo que ele, na época do rompimento, não soubesse disso. Mas, não. Ela não devia estar feia. Ele achara uma foto dela, uma única foto, no Google Imagens. Estava igualzinha, linda, linda. Débora. Que mulher. De quando seria aquela foto?

Abriu a porta do carro. Saiu. Fechou a porta. Consultou o relógio. Já estava na hora. Caminhou para a escada rolante. Enfrentaria o seu destino. Era o destino, não era? Ou ele tinha opção? O que ele poderia fazer a respeito? Parou. Pensou que nada daquilo tinha lógica. Por que ela voltava agora? Dez anos antes, ela disse que não o amava.

– Não estou mais apaixonada por ti.

Aquela frase miserável que até hoje reboava em seu cérebro.

Como é que algum tipo de sentimento poderia ter retornado agora, sem que eles nunca mais tivessem se falado, nem se visto, nada? O que ela queria? De repente, compreendeu o que ela queria. Compreendeu qual era o seu papel ali naquele shopping. Qual era? Descubra lendo a parte final da história, terça que vem.

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