sábado, 12 de novembro de 2011



11 de novembro de 2011 | N° 16883
DAVID COIMBRA


Todos são Lula

Os governos de Lula e de Dilma são corruptos.

Quando escrevo isso, escrevo uma obviedade. Prova-o a revista Veja, que a cada trinca de semanas derruba um ministro por cometimento de ilícitos. Mesmo assim, tenho certeza de que muitos se ouriçaram ao ler a frase “os governos de Lula e de Dilma são corruptos”. Porque Lula e Dilma agora, e FHC antes deles, conseguiram uma mágica político-social: a corrupção em seus governos é evidente, mas a reputação deles é mantida a salvo.

Aconteça o que acontecer, roube-se o que se roubar, Lula e Dilma são inatingíveis, como era FHC. Tudo o que seus governos fizeram de bom foi feito por eles; tudo o que seus governos fizeram de mau foi feito por seus auxiliares.

Lula e Dilma são santos cercados por demônios. Demônios que eles mesmos invocaram, mas esse parece ser um detalhe insignificante para o resto do mundo.

A obra de Lula é ainda mais espantosa. Afinal, Dilma herdou o ministério urdido por ele e, presumivelmente, agora está dispensando os ministros corruptos que ele deixou refocilados nos gabinetes de Brasília. Logo, Dilma estaria limpando o terreno do inço que Lula plantou. Então, até é compreensível a boa imagem de Dilma. Ela não teria culpa, pegou a coisa já pronta e torta e, aos poucos, está se assenhoreando da situação e construindo sua própria administração. Mas aí a conclusão lógica é de que Lula infestou o governo de corruptos. Ou seja: a responsabilidade seria dele.

Seria.

Não é.

Ou, pelo menos, as pessoas não pensam desta forma. Lula também é visto como vítima. Ele teria sido obrigado a se render ao sistema. Ou faria alianças espúrias, ou sabotariam o seu governo. Lula, portanto, não escolheu mal seus assessores: ele foi esperto. Permitiu que alguns dos políticos tradicionais abocanhassem fatias do poder e praticassem lá seus tradicionais negocinhos nebulosos, em troca de paz para fazer algo mais elevado, como salvar milhões da miséria e da fome.

Como eles conseguiram essa façanha de engenharia psicológica? Trata-se de uma vitória e de uma derrota da democracia, ao mesmo tempo.

Vitória porque FHC, Lula e Dilma são reconhecidos como legítimos representantes do povo. Os brasileiros os elegeram conscientemente e querem que eles governem. Por isso, os outros são ruins, mas os eleitos são, ora, eles os eleitos. Não deixa de ser uma valorização do voto.

Já a derrota se dá porque demonstra como o brasileiro vê a corrupção: como um mal sem nome nem cara, como uma entidade encastelada acima de qualquer sistema ou pessoa.

Publicamente, o brasileiro protesta contra a corrupção, grita contra “eles”, reclama e bufa; intimamente, o brasileiro se conforma, diz de si para si que é assim mesmo, sempre foi e sempre será, que esta é uma doença sem remédio nem cura, e suspeita que, se ele próprio estivesse lá, no lugar do líder, ele também teria de ceder para sobreviver. E ele está certo. Completamente certo. Ele cederia. Todo brasileiro seria um Lula.

david.coimbra@zerohora.com.br

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