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sábado, 12 de novembro de 2011
13 de novembro de 2011 | N° 16885
TEMA PARA DEBATE - Marco Jesús
Uma mulher com muitos orifícios
Desde tempos imemoriais, a humanidade faz uso de substâncias ativas como alteradores da consciência. Ouço algumas pessoas dizer “levar a vida no seco não dá”, a vida é pesada. O uso de uma substância ativa sempre está ligado a um determinado contexto pessoal, social ou cultural.
O complicado é o contexto e não a droga. As pessoas bem informadas sobre o assunto droga sabem que qualquer tratamento não funciona sem a adesão voluntária do adicto. Portanto, as drogas são uma questão muito mais de educação e saúde pública e muito menos de polícia. Na melhor das hipóteses, a droga poderia ser tratada como uma contravenção penal tal como o jogo do bicho.
E isso talvez em uma sociedade muito atrasada e retrógrada. O Brasil moderno não pode conviver com uma ideia tão conservadora assim.
A droga é uma mulher de muitos orifícios. Ela possui muitos caminhos para nos apanhar distraí-dos. Um pouco de depressão. Um pouco de euforia. Um pouco de tédio. A droga em si é uma só, seja inalada, aspirada, comida, praticada, mas sua apresentação se dá sob os mais variados disfarces. Cola de sapateiro, cocaína, prato de feijoada com churrasco, sexo e jogo.
Será então necessário prender e torturar todos os vendedores e usuários desses produtos? Chegou-se ao ridículo de controlar a cola de sapateiro, material essencial de uso de um trabalho digno. Menos mal, os sapateiros estão em extinção mesmo.
Em toda a minha vida, nunca senti necessidade de passar da segunda taça de vinho. No entanto, existem pessoas, por suas histórias pessoais, que não conseguem impor limites a suas práticas e consumo. Essas pessoas merecem um tratamento digno para retornarem ao equilíbrio.
Perceberem, aos poucos, haver outras formas de expansão da consciência além do uso de substâncias ativas. Como a leitura, a dança e um bom filme, por exemplo. Há outras formas de conforto da alma. Como a oração e a meditação, por exemplo.
Penso ser inócua qualquer forma repressiva de combate ao uso de drogas. Como trabalhador médico, ao longo da minha vida profissional vi surgirem inúmeras drogas da moda. A todo momento, o usuário está procurando substâncias alternativas. Como técnico, sei, existe uma gama enorme de substâncias, produtos vendidos nos supermercados, que podem ter uso ativo como alterador da consciência.
Remédios vendidos sem receita médica também. Então, não é possível algumas substâncias serem reprimidas e outras terem livre curso. Como também não é possível se proibir tudo sob pena de se deixar a sociedade inviável. Então se libere tudo.
Como dizia o Barão de Itararé “prendam-se todos os ladrões ou nos locupletamos todos”. Tentar prender todos os ladrões é possível. Proibir todas as substâncias ativas não. Assim sou a favor da liberalização das drogas e a favor de investimentos pesados em educação e saúde para prevenção.
*Médico sanitarista aposentado
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