terça-feira, 22 de novembro de 2011



22 de novembro de 2011 | N° 16894
DAVID COIMBRA


Depois de tanto tempo - final

Darlan voltou irritado para o carro. Abriu a porta. Entrou. Aboletou-se atrás do volante. Não ligou a ignição. Cerrou os dentes. Agora entendia tudo. Ela queria uma aventura, óbvio. O outro devia tê-la chutado como ela o chutara dez anos atrás, e ela pretendia exercer algum tipo de vingança. Provavelmente havia pensado: “Vou procurar aquele babaca que era louco por mim, vou me distrair com ele e ao mesmo tempo vou encher o meu marido de ciúme”. Claro que era isso. Claro! Ou...

Ou será que ela só estava se sentindo solitária? Será que ele, no fim das contas, significava algo para ela? Será que ela, depois de dez anos de experiências frustradas, concluíra que havia errado, que devia ter ficado com ele, que o que tinham era especial, que ELE era especial?

Podia ser... Podia... Quantas vezes, naqueles dez anos, ele ouvira mentalmente a música do Cazuza: “Será que você ainda pensa em mim? Será que você ainda pensa?” Ela pensava. Claro que pensava.

Abriu a porta do carro outra vez. Conferiu o relógio. Já passava do tempo. Estava atrasado. Apressou o passo. Mulheres não gostam de esperar, elas fazem esperar.

Pisou no primeiro degrau da escada rolante. Débora, Débora... Fariam tudo de novo, seria uma loucura. Um homem tem o direito de cometer loucuras às vezes. Life is very short, como diziam o Beatles. Sua vida mudaria, sim, ele precisaria de coragem para isso. Coragem ele tinha de sobra, ele era centroavante.

Centroavantes arriscam. Às vezes um homem tem de arriscar. Tentar a sorte. Pular no escuro. Os dois ficariam juntos. Ele já estava encerrando a carreira, logo poderiam viajar pelo mundo. Ele estava pronto para isso. Mas ela... Será que ela estaria? Será que ela seria digna de todos os sacrifícios que ele estava prestes a fazer?

Estacou.

Agora estava na entrada da praça de alimentação. Olhou em volta. Não precisou procurar muito. Lá estava ela, sentada no lugar combinado, de costas para ele. Impossível não reconhecê-la. Débora, tão linda. Darlan foi se aproximando. Cada vez mais perto. Ela continuava imóvel. Cada vez mais perto. O coração saltava-lhe para cima e para baixo, como se estivesse solto no peito, bombeando sangue para a cabeça, causando-lhe certa vertigem. Mais perto. Tão perto que podia tocar em seus cabelos. Esticou a mão. Parou. Seus dedos tremiam.

Lembrava-se da sensação de tocar aqueles cabelos. Avançou um pouco mais com a mão estendida, mais um centímetro. Já sentia a eletricidade do corpo dela, sentia o peito se encher de algo que podia ser amor ou angústia ou ambos. Sentia os olhos marejados e a boca seca. Tudo ia mudar. Tudo. Tudo voltaria a ser como antes, talvez. Ou talvez tudo fosse diferente. Mas não seria como agora, isso era certo.

Então, estremeceu. Pensou em todo o investimento, todo o trabalho, todo o empreendimento que aquele “tudo” significava. Recolheu a mão. Recuou. Deu-lhe as costas. E foi-se embora pisando firme, quase correndo, temendo que ela olhasse para trás. Voltou à garagem, entrou no carro e sumiu daquele shopping maldito. Mesmo um centroavante tem de saber que, às vezes, um homem não deve arriscar.

De segunda categoria

A imprensa, por natureza, é conservadora. Não significa que todos os jornalistas o sejam, claro. Volta e meia surge um Mencken, um Bierce. Mas são exceções. Em geral, a imprensa é reacionária à diferença. Não me refiro à esquerda ou direita, até porque a maioria dos esquerdistas são conservadores.

Refiro-me a comportamento. A imprensa está sempre atrás da sociedade, como o Direito. E tem de ser assim. Se for o contrário, o problema está na sociedade, que decerto está passando por uma crise criativa.

Agora, quando a imprensa brasileira apoia em peso uma fórmula de campeonato cafajeste como essa de pontos corridos, uma fórmula que privilegia o poder econômico em detrimento do talento e da criatividade, quando isso acontece a imprensa brasileira não está sendo cafajeste como a fórmula; está apenas atendendo às demandas de seu espírito conservador.

A imprensa conservadora entusiasma-se com a fórmula conservadora num movimento natural: porque o país está a cada dia mais conservador e, como disse, a imprensa segue sempre a reboque do país.

Uma fórmula sem a exigência de uma final produz um futebol de mesmice como hoje é o futebol brasileiro. Não é por acaso que o futebol brasileiro caiu para a segunda linha, com times medianos, uma seleção anêmica e jogadores sem criatividade.

Tudo faz parte do mesmo universo. O grande jogador é forjado nas imposições do grande jogo, na superação da final. Ele é grande porque precisa ser. Se não precisar, não o será. O futebol brasileiro vai se embrutecer aos poucos, e ninguém perceberá, porque ninguém saberá que pode ser diferente.

david.coimbra@zerohora.com.br

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