quarta-feira, 1 de setembro de 2010



01 de setembro de 2010 | N° 16445
DAVID COIMBRA


Histórias quase macabras

1. A mulher magra

Havia uma mulher magra na mesa ao lado da nossa, outra noite, no bar. Magra como um pardal. Tudo nela era magro. O rosto, encovado; o nariz, um bico; o pescoço, um graveto. Cotovelos humanos são magros por natureza, mas os dela... pontas-de-lança. Ossos e ângulos, era só o que ela tinha. Ossos e ângulos.

Mesmo sentada, via-se que se tratava de uma mulher alta, metro e oitenta, quiçá mais. Não se podia dizer que fosse feia. Era... estranha. Estava sentada sozinha, um copo de alguma coisa à sua frente, as pernas infinitas trançadas feito um cipó. Fitava o vazio. Todos percebemos sua presença, ninguém falou a respeito. Até que nos olhou.

Girou o pescoço de girafa lentamente para o lado, para a nossa direção e espetou-nos um olhar entre duro e malicioso. Parecia estar dizendo: “Eu sei coisas...”.

Depois, deitou uma cédula sobre a mesa, ergueu-se em todo o seu comprimento de árvore desfolhada e foi-se, deslizando como uma alma penada. Olhamos enquanto se ia, e só então comentamos:

– Que estranha...

Chopes depois, ainda naquela madrugada, a mulher magra apareceu-me em sonhos, olhando-me com seu olhar maligno e magérrimo. Não foram bons sonhos. Acordei impressionado. Liguei para os meus amigos e, antes mesmo de lhes falar do pesadelo, eles contaram: também haviam sonhado com a mulher magra!

2. A laranja da morte

O meu avô, uma época ele morou em Hamburgo Velho. Foi por esse tempo que um bom amigo dele viu-se acometido de doença séria, uma dor que lhe corroía as entranhas e o fazia gritar e não lhe dava trégua minuto algum do dia. Os médicos o examinavam e nada de encontrar a raiz do mal. Seus pais já estavam desesperados, ele mais ainda.

Achava que ia morrer. Até que, uma manhã, um desconhecido bateu à porta de sua casa. A mãe atendeu. O homem levava uma maleta preta sob o braço e disse saber que alguém ali estava sofrendo.

– Conheço a cura – garantiu.

A mãe ficou desconfiada, mas, in extremis, deixou que o estranho entrasse sem mais perguntas. Conduziu-o até o leito do enfermo. O homem o examinou detidamente, fazendo perguntas, apertando o pescoço, a barriga, o pulso, o pé. Depois de alguns minutos, abriu a maleta e dela tirou uma poção oleosa contida em um frasco.

– Tome e ficará bom – disse. – Mas atenção – frisou essa “atenção” com um tom de voz grave. – Atenção – repetiu – você nunca mais poderá comer laranja. Nunca mais! Se comer laranja, morre!

O rapaz ouviu aquilo, engoliu a poção e, de fato, foi melhorando até sarar por completo e esquecer o sofrimento, que é o que ocorre quando se sara por completo. Mas obedeceu ao homem e excluiu laranjas da sua dieta. Atravessou a juventude sem comer laranjas, casou-se, teve filhos, atingiu a maturidade e jamais comeu uma laranja. Lembrava-se sempre da advertência, dita com voz de Correspondente Esso: “Se comer laranja, morre!”

Uma tarde de domingo, ele estava em casa, ainda em Hamburgo Velho, brincando com os filhos. Passou pela sua rua um vendedor de... laranjas. Eram laranjas lindas, de um redondo perfeito, douradas como o ouro de Salomão, frescas como as manhãs de outono. Todos, os filhos, a mulher, os vizinhos, todos saíram atrás do vendedor, compraram-lhe as laranjas e se deliciaram mordiscando os gomos, lambuzando-se com o sumo doce. Ele olhou para aquela festa cítrica e pensou: “Por que não?”.

Então, comeu uma laranja. E morreu.

O que significam essas duas histórias?

Nada.

Como dizia Belchior, sei que nada é divino, nada é maravilhoso, nada é sagrado, nada é misterioso. A sorte ajuda quem faz bem, o azar atrapalha quem faz mal. O Inter foi campeão da Libertadores vencendo vários jogos com sorte, marcando gol nos últimos minutos.

O Grêmio entrou em crise perdendo vários jogos por azar, levando gol nos últimos minutos. O acaso existe, coincidências acontecem, acidentes também. Mas não sempre. Não o tempo todo. Chega um momento em que a competência passa por cima do sobrenatural. Ou a força. É hora da força da torcida do Grêmio sufocar o azar.

Nenhum comentário: