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quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Artigo - Ruy Castro - Folha de S. Paulo - 3/9/2008
Alegre, bonita e inocente
Por sorte, o furacão Gustav se apiedou e passou ao largo de Nova Orleans. Tivesse repetido a fúria do Katrina, há três anos, e a devastação seria definitiva.
Não foi desta vez, mas, um dia, será. Nova Orleans, construída na rota dos furacões, tem regiões abaixo do nível do mar -não custa muito para ser levada de um gole.
É das poucas cidades do mundo (e a única americana) que despertam um sentimento universal de ternura. Em toda parte, há gente que ama Nova Orleans sem nunca ter ido lá.
É o meu caso. Basta um mínimo de formação jazzística para ficar íntimo de suas ruas ou casas, muitas delas títulos de músicas.
Ruas como a Basin, Canal ou Perdido -qual jazzista não conhece "Basin Street Blues", "Canal Street Blues" ou "Perdido"?
Louis Armstrong (que nasceu numa aléia da Perdido) imortalizou "Mahogany Hall Stomp", referente ao extinto Mahogany Hall, o bordel de madame Lulu White, de luxo inacreditável.
Jelly Roll Morton compôs "Pontchartrain Blues", em homenagem ao lago Pontchartrain, que, quando transborda, alaga a cidade inteira. E a zona do West End, ao pé do lago, inspirou o "West End Blues", de King Oliver.
Diz-se que o berço do jazz foi Storyville, o bairro da prostituição em Nova Orleans, que a lei mandou fechar e demolir em 1917.
Expulsos do paraíso e sem ter onde tocar, os músicos começaram a longa peregrinação -por Memphis, St. Louis, Kansas City, Chicago e, finalmente, Nova York- que teria propagado aquela música pelos EUA.
Nova Orleans é amada porque nos remete à infância do jazz, com aquela polifonia alegre, bonita e inocente -anterior ao cerebralismo genial de Duke Ellington e Thelonious Monk, ao virtuosismo trágico de Billie Holiday e Charlie Parker ou à cara amarrada de Miles Davis e John Coltrane.
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