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domingo, 25 de maio de 2008
CRISTOVAM BUARQUE
Como deveríamos ser
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Jefferson era uma rara espécie no cenário político brasileiro. E sua morte nos passa a sensação de que o Senado ficou muito menor
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NA SEXTA-FEIRA de manhã morreu um pedaço da ética na política brasileira. A ética, a política, o Senado ficaram menores com a partida de Jefferson Péres. Raros homens públicos conseguiram encarnar tanto uma bandeira como ele, nenhum conseguiu encarnar tanto a bandeira da ética.
Não foi por acaso. Foi o trabalho de uma vida de coerência, discursos e comportamento. Jefferson Péres não era um político de duas palavras nem de duas caras. E fazia questão de mostrar a cara que tinha e a palavra que dizia. Não perdia oportunidade de falar na defesa das questões morais, com ênfase, sem meias palavras, sem concessões.
Quando teve a generosidade de aceitar ser candidato a vice-presidente na chapa do PDT comigo, ele disse que não sabia dar tapinhas nas costas, carregar crianças que não conhecia, rir sem vontade.
Falei que políticos com aquele comportamento já temos muitos. Precisávamos exatamente da "maneira Péres" de fazer política. E sua marca foi fundamental. Onde passei, durante a campanha, escutava de todos que eu tinha o vice que orgulhava a chapa.
Recebi a notícia da sua morte pouco antes de entrar para fazer uma palestra na Universidade da Europa Central, em Budapeste (Hungria), sobre o papel do biodiesel e do etanol na reformulação da matriz energética mundial e na dinâmica da economia brasileira, seguida do lançamento da tradução de meu livro "Os Deuses Subterrâneos".
Foi um choque que me fez pensar em suspender tudo e voltar para prestar minha homenagem ao companheiro de chapa, companheiro de partido, orgulho de nós senadores.
Seria impossível. Foi preciso levar adiante a agenda, desabafando sobre o ocorrido com os que me escutavam. E esperar chegar ao hotel para escrever estas linhas.
Cada notícia de morte nos trás um trauma, mas Jefferson trouxe mais de um, além do desconforto da distância em que me encontrava no momento.
Ele fazia parte de um pequeno grupo de pessoas que nos passam a idéia de que não morreriam. Não sei se seu físico demonstrava saúde, se sua presença marcante nos parecia permanente, mas ele passava essa idéia. O outro choque é pelo que ele representava. Jefferson era uma rara espécie no cenário político brasileiro.
E sua morte nos passa a sensação de que teria sido apagada uma parte da ética na nossa política. De que o Senado fica muito menor a partir de agora.
Por isso, e em homenagem a ele, vai ser preciso continuar a luta usando o seu legado, transformando-o em um símbolo: o da política com ética, sem demagogia, sem falsidade. A política cujo discurso se faz enfrentando e propondo caminhos, não com o vazio de propostas e o excesso de elogios mútuos de todos os dias.
Ao lado do Jefferson da ética, perdemos também um grande senador da Amazônia. Um defensor de nossa soberania. Porque, além de decente, ele era um nacionalista.
Defendia o Amazonas e a Amazônia-nossa com todo o vigor, a serviço dos brasileiros, não apenas como uma reserva paralisada no tempo. Suas últimas falas foram sobre a Amazônia que ele tanto amava e tão bem representava.
Perdemos dois anos e meio de um grande senador e homem público, porque ele vinha afirmando que não tinha pretensões de voltar ao Senado, desejava sair da vida pública, que lhe parecia sem motivação.
Não vamos saber se de fato esse sentimento de frustração o levaria a deixar a política ou se, na última hora, perceberia que não tinha o direito de deixar essa lacuna. Ele não precisou tomar a decisão ou cumpri-la, se já estava tomada no seu fórum íntimo. Quis o destino que ele nem ao menos terminasse seu mandato atual.
Fica para nós, colegas do Senado, amigos e correligionários, a obrigação de levar adiante sua luta. Retomar seus projetos de lei e fazer cada um deles ser aprovado.
Ler caladamente seus discursos, para nos inspirarmos. E lê-los na tribuna, para lembrar aos brasileiros que o país teve um político como deveríamos ser todos nós.
Para o PDT, fica um desafio enorme, porque, a cada erro nosso, seremos lembrados de Jefferson Péres. Seremos desafiados pelo exemplo positivo que tivemos. E que fica.
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CRISTOVAM BUARQUE , 64, doutor em economia, é professor da UnB (Universidade de Brasília) e senador da República pelo PDT-DF. Foi reitor da UnB (1985-1989), governador do Distrito Federal pelo PT (1995-1998) e ministro da Educação (2003-2004). Concorreu à Presidência da República nas eleições de 2006, tendo o senador Jefferson Péres como candidato a vice-presidente em sua chapa.
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