sábado, 24 de maio de 2008



24/05/2008 - 00:42 | Edição nº 523
O economista Paulo Guedes é colunista de ÉPOCA


A era da preocupação

A economia mundial está em fase de transição. Experimenta mudanças importantes em suas várias dimensões. Após um longo período de altas taxas de crescimento global e de baixas taxas de inflação, surgem preocupantes sinais de desaceleração econômica e de pressões generalizadas dos preços de recursos naturais, energia, matérias-primas e alimentos.

A mudança ocorre não apenas no ritmo, mas também na coreografia. As economias nacionais estavam no mesmo passo, exibindo altas taxas de crescimento sincronizado. Foi inédito o ritmo acelerado de crescimento global dos últimos cinco anos.

Os indícios da dessincronização estão presentes já em 2008. A economia americana, antes a mais potente turbina global, chegou ao fim de seu mais longo ciclo de crescimento. Os países emergentes, no outro extremo, têm mantido o ritmo acelerado.

O Brasil, de sua parte, deu início ao que poderia ser um longo ciclo dessincronizado com a economia mundial se aprofundasse as reformas, para disparar uma dinâmica interna de crescimento.

Outra importante mudança é a troca de eixo da economia global. O pólo dinâmico desloca-se da América para a Ásia. Mas mesmo a Ásia passa por ritmo de desaceleração, pois a outra poderosa turbina global, a economia chinesa, deve esfriar para manutenção e reparos.

Os sinais de superaquecimento chinês são inequívocos. A inflação corrente rompeu a taxa anual de 8%, com os preços de alimentos subindo muito mais.

Embora a migração da população chinesa do campo para a cidade esteja longe de se completar, não poderá prosseguir ao ritmo atual. E a desaceleração da migração urbana descomprime a contenção dos salários ante as pressões de alta nos preços de alimentos.

“Com a redução da velocidade da migração da mão-de-obra, o ritmo de crescimento dos salários na China deve se acelerar, assim como os níveis de inflação”, afirma Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, em sua A Era da Turbulência (2007).

“Os preços mais baixos dos produtos oriundos da China exerceram sucessivas ondas de efeitos. Contiveram os preços de produtos concorrentes fabricados nos Estados Unidos e limitaram os salários dos trabalhadores nas indústrias.

Observe que os preços dos produtos oriundos da China subiram de maneira marcante na primavera de 2007 pela primeira vez em vários anos. Isso deve fomentar a retomada da inflação de preços e salários nos Estados Unidos.

O ônus de administrar essa mudança recairá sobre o Fed. O árbitro final da inflação é a política monetária.

Até que ponto essas pressões de preços serão corrosivas para a economia americana dependerá da capacidade de reação do Fed.” Mas, e se o Federal Reserve estiver de mãos atadas, em razão da profundidade da crise financeira que enfrenta? Poderia ser mais um sinal de que o mundo penetra em nova era de inflação global.

O colapso do valor externo do dólar e a ascensão do euro como nova moeda forte da economia global são também uma marca da atual fase de transição.

A despolitização da moeda que consagrara o Fed de Paul Volcker não é mais uma virtude inquestionável do Fed de Greenspan e Ben Bernanke, seu atual presidente. Enquanto isso, essa mesma despolitização, antes praticada pelo Bundesbank germânico, ascendeu à desnacionalização da moeda orquestrada pelo Banco Central Europeu.

O euro, a nova moeda transnacional, deflagrou um formidável processo de reestruturação e consolidação da economia européia, apesar da tradicional inapetência por reformas de sua classe política.

“Trata-se de fato de uma era de turbulência. Seria imprudente e imoral minimizar o custo humano das rupturas em curso.

Diante da integração crescente da economia global, os cidadãos do mundo defrontam uma escolha árdua: de um lado, abraçar os benefícios dos mercados globais e das sociedades abertas, que arrancam as pessoas da pobreza e as lançam na escalada em busca de melhores qualificações, como meio de melhorar seu padrão de vida;

de outro, rejeitar essa oportunidade e aferrar-se ao nativismo, ao tribalismo, ao populismo e a todos os demais ‘ismos’ em que se refugiam as comunidades quando se vêem sitiadas em sua própria identidade e não conseguem fazer as melhores escolhas.

Enormes obstáculos nos aguardam nas próximas décadas, cabendo exclusivamente a nós desenvolver as competências necessárias para superá-los.

A educação é o fulcro de qualquer solução para todas as dificuldades com que nos defrontaremos no futuro”, prescreve Greenspan, com a intimidade inerente à co-autoria desta turbulenta sinfonia. Esse é o desafio brasileiro.

Foto: André Arruda/ÉPOCA

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