terça-feira, 27 de maio de 2008



A PASSAGEM DO TEMPO

Como se diz, o tempo não pára e é sempre cruel. Há 40 anos, a França trepidava com um maio agitado em que se propunha a imaginação no poder e o fim da moral de cueca.

Hoje, os franceses tentam saber se o casamento de Sarkozy com Carla Bruni é bom para o Estado ou apenas mais um estado da sociedade do espetáculo na qual o uso da cueca se tornou facultativo.

Meses antes daquele maio que não pararemos de comemorar até que faça cem anos e caduque por decurso de prazo, na Bolívia, Che Guevara era morto e entrava para a história, graças a uma foto com uma imagem de Jesus Cristo pop.

A época era de utopias, liberação sexual, sociedade alternativa, maoísmo, foquismo e de mais um monte de 'babados' que hoje se encontram nos museus do imaginário do século XX.

A prova da passagem cruel do tempo, como se fosse preciso uma, é que morreu, há aproximadamente dois meses, aos 78 anos de idade, Manuel Marulanda, o número 1 das Farc. A revolução tornou-se um hobby de uma terceira idade que adora viver perigosamente.

Em lugar da expressão de superstar de Che, um James Dean fanático, agora se terá certamente um rosto menos mítico e mais histórico captado por algum telefone celular de um guerrilheiro disposto a ganhar uns trocados da CNN: um Tutankamon marxista cheio de rugas.

De resto, enquanto Che foi executado, como cabe a todo herói respeitável, Marulanda teria sido vítima de um banal e tedioso ataque cardíaco depois de uma luta absolutamente terrena e animal contra um estúpido câncer de próstata. Mitos não podem ter morte natural.

É humilhante. Que fazer? Nada. Esta é uma época humilhante para as velhas utopias. O único ponto em comum, no caso da morte de Marulanda, com o passado é a mania esquerdista ainda não superada de guardar segredo sobre a perda dos seus ícones.

Temem, pelo jeito, as conseqüências do fato. Não se habituam à terrível verdade: não há conseqüências. Salvo pela existência de um pensamento mágico.

Morto Marulanda, é possível que todos se sintam livres para voltar para casa, entregando os reféns ainda cativos, a tempo de ver as Olimpíadas. Algo semelhante parece destinado a acontecer em Cuba. A população cubana aguarda a morte de Fidel Castro para cuidar da vida.

Ao contrário do que diz o senso comum, num tempo de culto à juventude, respeitamos demais nossos velhos ditadores ou nossos ensandecidos guias e esperamos que desapareçam para não termos de dispensá-los. Nesse sentido, os brasileiros sempre foram mais impiedosos. Não tivemos paciência para aguardar a morte de D. Pedro II.

Mandamos o velho embora sem qualquer dó. Um pé no traseiro real. A Colômbia é um país curioso, talvez o mais pós-moderno do mundo.

Principal exportador de cocaína do planeta – a droga da turma yuppie, de bad boy, de Wall Street, de Hollywood e até de publicitário fashion –, a Colômbia vive com uma guerrilha marxista anacrônica e perigosa com uma faca velha enferrujada.

Aí está: o perigo da guerrilha marxista é o tétano. Na Colômbia, pós-modernidade é a aliança entre a cocaína e o marxismo, um excitante remake dos velhos tempos ou um remake antecipado da excitação dos novos dias.

Se na China o capitalismo serve ao marxismo, na Colômbia o marxismo é fornecedor do capitalismo. A questão em Nova Iorque é simples: sem Marulanda, o preço cai ou sobe?

Os bons negócios costumam estar acima dos indivíduos. Sai Tirofijo, entra Cano. A mercadoria é a mesma. Que tempos!

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima terça-feira ainda que com previsão de chuva por aqui

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