sábado, 24 de maio de 2008



25 de maio de 2008
N° 15612 - Moacyr Scliar


A noiva roubada

Vocês decerto conhecem essa propaganda da tevê.

Um rapaz vê um antigo carro precipitar-se no rio. Atira-se na água e salva a passageira, uma noiva que estava indo para a igreja. Ele leva-a até lá, entra no templo com a moça nos braços - e é, evidentemente, mal-interpretado, tendo de fugir às pressas.

Esta historinha corresponde a uma fantasia muito comum, como mostram antigos versinhos do folclore português/brasileiro. É um diálogo. Um rapaz pergunta à tia: "Cadê o meu cavalo/ que eu aqui deixei ficar?". Responde a mulher: "O teu cavalo, sobrinho/ está no campo a pastar."

O rapaz: "Cadê a minha espada/que eu aqui deixei ficar?". Resposta: "A tua espada, sobrinho,/ está na guerra a batalhar." E aí a questão crucial: "Cadê a minha noiva/ que eu aqui deixei ficar?". Golpe final: "A tua noiva, sobrinho/ está na igreja a se casar."

Ou seja: mal o rapaz se descuida, vai-se o cavalo, vai-se a espada e, sobretudo, vai-se a noiva. Porque o noivado, esta é a conclusão, é terreno movediço, é rio turbulento onde, de repente, toda a paixão pode afundar e sumir.

A tradição faz o que pode para consagrar o noivado como um compromisso. A começar pelo mês das noivas: maio é também o mês de Maria, o mês das mães. Um mês de pureza, de virgindade, de santidade.

É por isso que a noiva veste branco. E é por isso que usa véu. E é por isso que na decoração usa-se flores de laranjeira, igualmente um símbolo de pureza.

Mas noivado não é garantia de propriedade, de fidelidade. O noivado é mais firme que o namoro, mas o noivado não é casamento. No noivado, muita coisa pode acontecer.

E é por isso que, durante a cerimônia, a noiva deve ficar à esquerda do homem, um costume que data da Idade Média e que é facilmente explicável: se algum rival tentasse roubar a futura esposa, o noivo teria o braço direito livre para com ele sacar a espada (admitindo que a dita não estivesse "na guerra a batalhar") para com ela enfrentar o atrevido.

Daí também a velha idéia de que ficar ao lado esquerdo do futuro esposo imuniza a noiva contra as tentações da infidelidade.

E há mais um antigo e intrigante costume: a noiva deve usar no casamento uma coisa roubada, o que funciona como uma espécie de antídoto contra a idéia da "noiva roubada", que inspirou numerosas obras literárias, além de uma ópera do tcheco Bedrich Smetana.

Enfim: os perigos acompanham a noiva constantemente. A entrada da casa em que o casal vai morar é terreno minado: há, no chão, maus espíritos, e é por isso que o noivo deve levar a noiva nos braços.

Pergunta: será que ainda existe lugar para estas fantasias numa época em que o sexo é livre, em que o casamento é instável? Pelo jeito sim, porque, apesar de tudo, as pessoas continuam noivando.

Noivar é antes de tudo uma coisa nostálgica, é a recuperação de um passado que, visto deste tempo confuso em que vivemos, nos parece mais estável, mais equilibrado.

Noivar é tentar recuperar a inocência perdida. O nosso cavalo pode estar galopando muito longe, nossa espada pode estar em outras mãos; isto ainda podemos agüentar; mas nossa noiva nos braços de outro é coisa insuportável.

Corram atrás do transgressor, pessoal. E tragam de volta, por favor, a noiva roubada.

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