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sábado, 24 de maio de 2008
24 de maio de 2008
N° 15611 - Cláudia Laitano
Memórias
Amnésia, lembranças artificialmente destruídas ou implantadas, doenças degenerativas, identidades perdidas, amores que vão e que vêm no ritmo errático de uma recordação.
Histórias sobre a memória (ou sobre a ausência de) tornaram-se tão freqüentes no cinema nos últimos anos que aparentemente estamos diante um novo subgênero cinematográfico.
Da simpática e desmemoriada peixinha Dory, da animação Procurando Nemo, ao tratamento para apagar lembranças tristes do perturbador Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, o tema da memória vem sendo abordado das mais diferentes formas, da comédia ao drama empenhado, do blockbuster ao filme experimental.
A lista inclui dramas (O Homem sem Passado, O Filho da Noiva, Iris), histórias de ação (Amnésia e a trilogia Bourne) e até comédias românticas (Como se Fosse a Primeira Vez). A memória tornou-se uma obsessão.
O filme Longe Dela, ainda em cartaz em Porto Alegre, filia-se ao gênero explorando dramaticamente a degeneração da memória decorrente do Mal de Alzheimer e seu impacto prático e simbólico na vida de um casal.
Como epílogo de uma longa história de amor, a doença serve de pretexto para que o filme reflita sobre o que é permanente e o que é provisório em uma relação amorosa - que, para atravessar décadas e manter-se viva, às vezes exige dos amantes a capacidade de "esquecer" o circunstancial e apegar-se ao que permanece.
A certa altura da história, um dos personagens compara o Alzheimer a uma casa em que as luzes vão se apagando lentamente, até tudo ficar escuro e silencioso.
Primeiro os pequenos esquecimentos, depois a dificuldade de reter memórias recentes, a perda do sentido das palavras e das emoções, as ausências, a distância sem distância das pessoas mais próximas.
Uma casa que aos poucos vai ficando no escuro é uma imagem bonita, mas provavelmente não descreve com precisão o impacto do Alzheimer na vida do doente e de sua família.
Essa doença terrível e misteriosa nada tem de poético ou suave, e parece ter substituído todas as outras no papel de assombração máxima da nossa época. Perder a memória, os laços, a identidade é a única coisa mais assustadora do que perder a saúde.
Essa preocupação com o Alzheimer não é casual. Com o aumento da expectativa de vida, aumentaram as chances de as pessoas serem afetadas pela doença.
Mas talvez o fantasma do Alzheimer não seja a única causa para essa onda recente de filmes que usam a falta de memória para refletir sobre a condição humana.
A memória, afinal, tem sido cada vez mais terceirizada - para o computador, para o celular, para o aparelho que toca as músicas que nós gostamos. Nunca estivemos tão dependentes da tecnologia, que por sua vez nos acena com possibilidades cada vez mais mirabolantes de acúmulo de informação.
Mas toda essa eficiência do chip talvez acabe ressaltando a precariedade da nossa memória individual, irremediavelmente assentada em circuitos frágeis e irrecuperáveis. O que essa fixação atual na idéia da perda da memória parece expor é a ausência de backup da vida real.
Pois por mais conhecimento que a espécie tenha acumulado, e mesmo que esse conhecimento um dia caiba inteiro na ponta de um lápis, nada muda o fato de que a embalagem que contém nossas lembranças mais únicas e preciosas continua tão frágil quanto no tempo na pedra lascada.
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