quinta-feira, 29 de maio de 2008



29 de maio de 2008
N° 15616 - Paulo Sant'ana


Prender onde?

A medida legal decretada esta semana pela Câmara dos Deputados, faltando apenas para que entre em vigência a sanção presidencial, vai modificar profundamente alguns hábitos brasileiros.

Por ela, quem for apanhado no trânsito com qualquer quantidade de álcool no sangue, uma taça de vinho ou um copo grande de cerveja, uma gota de álcool no sangue, pagará séria multa e pode perder a carteira por até um ano.

Se, no entanto, alguém for flagrado no trânsito com 0,6 grama de álcool no sangue, o condutor estará sujeito a prisão de seis meses a três anos.

Rigor máximo.

Pela medida, se algum condutor se envolver em acidente de trânsito com morte, isso será considerado crime doloso - e não mais culposo, como era antigamente - , e a pena, que era antes de até seis anos de prisão, passará para de seis anos a 20 anos de prisão.

Dificilmente haverá em outro lugar do mundo um rigor igual.

Antes, a lei penal, nos crimes de trânsito, punia somente os bêbados. Agora quer punir os libadores, os que bebem socialmente, os que ingerem dois copos de cerveja, uma taça de vinho ou champanha.

Poderá ser considerado delito grave ir ao restaurante para almoçar ou jantar, beber cerveja ou vinho, voltar para casa dirigindo. Se for apanhado e consentir em assoprar um bafômetro ou que lhe tirem sangue, estará sujeito a prisão e a não mais poder dirigir.

Se não consentir no exame o condutor, a autoridade policial poderá, se constatar embriaguez em sua postura, cassar-lhe a carteira por um ano.

Como ficará o hábito brasileiro de ir jantar fora ou ir a uma festa e beber álcool? Como ficará?

Até os brasileiros adquirirem o hábito de apenas se dirigirem a um restaurante e, depois de lá ingerir álcool, entregar o volante do carro a um familiar ou amigo que tenha bebido refrigerante ou suco, no retorno para casa - isso vai demorar 50 anos.

É arraigado o hábito de comer fora e beber vinho ou cerveja e voltar dirigindo para casa.

Se essa lei viger como parece que vigerá, as prisões serão em massa.

Aliás, por ano, os congressistas fabricam cerca de 10 leis que ou aumentam as penas para delitos já existentes, ou criam novos delitos com penas de prisão.

É prisão, prisão e mais prisão, vindas do Congresso Nacional legiferante.

Há uma moda atual na política, principalmente entre as hostes governistas, que dita ser indispensável que os deputados e senadores, quando criarem legislação que redunde em despesa para o erário, indiquem simultaneamente a fonte de recursos para custear a norma aprovada.

E como é que os dignos legisladores, quando a todo momento editam leis que mandam botar na prisão os novos criminosos que as transgredirem, ou até pretendem botar na cadeia pessoas com idade superior a 16 anos, não percebem que é inócuo querer prender centenas de milhares de criminosos novos por crimes novos, sem nenhuma vaga na prisão?

É todo mundo querendo prender, prender, prender, como se houvesse onde prender.

Será que a sociedade, os Legislativos e os governos não entendem que só diminuirão os crimes no dia em que houver prisões decentes?

Que enquanto as prisões forem calabouços de miséria, tortura e morte, não há Justiça do mundo, feita de homens conscientes, que consiga manter por algum tempo todos os criminosos presos, sendo obrigada a soltá-los?

Em toda a minha carreira de jornalista, esta foi a verdade transmitida por mim mais difícil de ser compreendida pelo público.

Mas, se eu desistir dela, não poderei me olhar mais no espelho.

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