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terça-feira, 20 de maio de 2008
20 de maio de 2008
N° 15607 - Paulo Sant'ana
Os direitos individuais
Sempre me interessou - ou me intrigou - o direito que o Estado tem de intervir na liberdade individual dos cidadãos.
Ou até onde vai esse direito. Esse enfoque me levou a pensar muito, domingo passado, sobre essa proibição das cervejas nos estádios de futebol.
Eu assisti com meus olhos, no domingo, a multidões de jovens bebendo avidamente nos bares do entorno do Estádio Olímpico. Nunca vi beberem tanto.
Havia jovens, antes do jogo, que carregavam dois copos de cerveja, um em cada mão.
Visivelmente, a proibição da cerveja nos estádios reprime o torcedor. E inspira-o a beber muito mais: se não pode beber lá dentro, bebe muito mais fora do estádio, antes de ingressar nele.
Sei, porque eu não bebo, mas estando no camarote cercado por dezenas de milhares de torcedores que não podiam beber cerveja, pedi para o garçom que me trouxesse cerveja sem álcool. Queria me sentir privilegiado.
Uma porcaria a cerveja sem álcool, mas aquela proibição me martelou tanto a cabeça que comecei a ansiar que o jogo terminasse logo para eu correr a um bar e beber uma cerveja bem gelada.
E foi o que fiz. O que nunca faço. Disparei do estádio para sorver uma cerveja bem gelada. Achei que era um direito meu do qual eu tinha sido privado indevidamente, embora não o fosse exercitar.
O futebol é uma festa. É uma diversão, das raras que ainda restam.
Pode o Estado impedir que numa festa, num domingo, um dia de folga talhado para beber uma cerveja, impedir que os cidadãos bebam no domingo, numa festa?
Está certo que num imenso teatro ao ar livre não possa se beber uma cerveja? Duvido que em outras partes do mundo se proceda assim.
Estou só abordando este assunto porque durante estes mais de 50 anos em que assisto ao futebol vi que este esporte proporcionava aos espectadores um happening: havia torcedores que incrivelmente, durante os 90 minutos, não saíam das copas, dentro dos estádios, não iam ver o jogo. Ou seja, iam para os estádios para beber e para conversar. Queriam apenas estar participando do clima do jogo. Participando do evento e da energia que se desprendia dele.
Ou seja, há torcedores que vão ao jogo pela importância da disputa. Mas grande parte dos torcedores vai ao jogo pela confraternização.
E pode o Estado ou seja lá quem for que o represente proibir que se beba cerveja ao ar livre, numa grande confraternização?
Confesso que hesito em dizer que não pode. Evidentemente que quem proíbe cerveja em estádio de futebol está tentando evitar os conflitos, as brigas, o enfrentamento entre torcidas, todos esses incidentes ligados ao álcool.
Mas está se punindo os torcedores que bebem cerveja e não se envolvem em brigas e conflitos, que são a grande maioria.
Eu me preocupo com as restrições à liberdade individual. Proibiram de beber cerveja nas lojas de conveniência e nos postos de gasolina.
Agora proíbem nos estádios de futebol. Há uma ânsia do poder público ou de quem o represente para se atirar a uma escalada de proibições.
Numa cidade da Califórnia, EUA, proibiram os cidadãos de fumar dentro de casa, a menos que os dois vizinhos do lado o permitam.
Pode o poder público restringir a liberdade individual a ponto de invadir a privacidade doméstica?
Isso vai numa escalada!
O certo é que com a proibição não diminuiu o consumo de álcool no futebol. Os torcedores estão bebendo a rodo nos bares da volta dos estádios. Mais do que bebiam antes.
E na saída dos jogos se atiram novamente aos bares.
Assalta-me o medo de que com essa proibição a vida das pessoas vá se tornando tediosa e insuportável.
Metade da geral do Olímpico estava vazia domingo passado. Não era para estar: era contra o Flamengo.
E se o time é ruim, o juiz rouba descaradamente e ainda não dá para beber cerveja, o que se vai fazer no futebol?
E como vai se divertir o público?
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