terça-feira, 27 de maio de 2008



27 de maio de 2008
N° 15614 - Paulo Sant'ana


Incesto entre público e privado

Às vezes, eu penso que determinadas pessoas envolvidas em escândalo não têm idéia de que sua conduta negocial implica crime, melhor dito, ilícito penal.

Há pessoas que se mantêm na política, até como militantes, com o único fim de entrelaçar o seu negócio privado com os cofres públicos. Embora antiético, só isso não se constitui em crime.

Mas quando a iniciativa privada realiza alguma obra ou serviço para um governo e o efeito financeiro dessa relação transcende os dois pólos, indo parar parte das verbas destinadas para o negócio nos bolsos dos servidores públicos que o intermediaram, entre eles governantes, então fica claro o ilícito penal, configurado no superfaturamento da obra ou do serviço, caracterizando corrupção ativa ou passiva entre outros delitos.

No caso do Detran, que provocou a Operação Rodin e a CPI, visivelmente houve o superfaturamento.

E foi por favorecimento político, facilitado pela ausência de licitações, que fundações e sistemistas se locupletaram. Até aí tudo bem. Mas houve um fato que determinou o escândalo: a propina aos agentes públicos e/ou políticos.

Aí se deu o delito, ou seja, o superfaturamento verificou-se objetivamente para que alguns atores públicos ou políticos viessem a se locupletar.

Por duas vezes, o acusado Lair Ferst disse ontem, no programa Atualidade e no depoimento na CPI, que a atividade privada não interessa ao poder público, insinuando que as fundações e os sistemas do Detran poderiam fazer o que bem entendiam com o dinheiro que arrecadavam. Isso é verdade.

Só não podiam pagar propina. Porque então o negócio passou a ser indecoroso.

Na entrevista para Zero Hora, Lair disse: "Essa alegação (a de que foi classificado pela Polícia Federal de lobista) é completamente dissociada da realidade, até porque as minhas relações nesses dois episódios (contratos da Fatec com a Anatel e com o Detran) são legais".

Seriam legais se não houvesse propina, porque malditamente a lei permite contratos do governo com fundações sem licitação.

E como houve propina confessa e paralelo favorecimento de pessoas ligadas ao Detran e ao governo, o episódio todo sai do plano negocial e ingressa inevitavelmente na esfera penal.

No caso de Lair Ferst, esse entrelaçamento incestuoso entre a empresa privada (no nome de suas irmãs, que fizeram a ele doações) e o governo restou escancarado.

Ele é membro do diretório do PSDB, sempre foi político, no sentido de que exerceu atividades políticas e até funções administrativas no passado e no presente, como poderia então estar intermediando contratos entre a Anatel e a Fatec com o governo (Detran)? Não podia. Isso é o mesmo que bater o escanteio e ir cabecear a bola na área.

Ontem, no depoimento, Lair Ferst disse que "uma empresa privada pode pagar o que ela quiser, desde que se valha do lucro presumido". Portanto, ele insistiu pela terceira vez nessa tese de autonomia financeira da empresa com relação ao Estado.

Parece que ele não entende que uma empresa privada que tenha relação contratual com o governo pode, sim, fazer o que quiser com seu lucro, menos pagar propina. Porque aí fica claro que o dinheiro que pertence aos cofres públicos ou aos contribuintes taxados para sustentar o contrato foi desviado ilegalmente para os bolsos dos agentes públicos ou políticos.

Isso é crime. Ainda mais quando alguém que pertence a um partido político que apóia um governo vem intermediar contratos de empresas privadas com o mesmo governo.

Ou Lair é sincero revelando sua ignorância da lei penal, ou ele está fingindo que não sabe que isto é crime.

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