domingo, 25 de maio de 2008



"Coleção Folha" traz Graciliano Ramos

"Infância", do escritor alagoano, é o 16º volume da série, que chegará às bancas no próximo domingo

DA REPORTAGEM LOCAL

"A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta." Assim inicia o volume de memória "Infância", de Graciliano Ramos (1892-1953), publicado em 1945, após o êxito de "São Bernardo" (1934) e de "Vidas Secas" (1938). É o 16º volume da "Coleção Folha Grandes Escritores Brasileiros", nas bancas no próximo domingo.

O vaso de louça e as pitombas funcionam como o chá de tília e as madeleines de "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust, que acionam no narrador o mecanismo da recordação. Na passagem, ao apresentar o vaso metido atrás da porta, Ramos ainda insinua que desvendará para o leitor o que havia de oculto no passado.

Além disso, essas lembranças podem não ser, necessariamente, confiáveis, pois o narrador em seguida afirma que, quando pequeno, associava pitombas a qualquer fruta redonda. Logo, podiam ser laranjas. "Não gostei da correção", diz ele, "laranjas, provavelmente já vistas, nada significavam".

Por meio desse mecanismo difuso, Ramos descerra o mundo árido, anguloso, do sertão e das pequenas cidades do interior de Alagoas, na virada do século 19 para o 20. Mais do que isso, ele mostra as relações difíceis entre pessoas corroídas pela carestia e sem horizonte.

Por causa seja do autoritarismo do pai, seja da ignorância da mãe, seja da desconfiança dos professores, o narrador desenvolve um sentimento de rejeição àquele ambiente onde se desenvolveu "como um pequeno animal". Ademais, a falta de entendimento com o outro o faz espiar com feroz preconceito os que lhe parecem estranhos ou inferiores.

A válvula de escape desse menino, que "era quase analfabeto", reside nos livros. São excepcionais os capítulos em que narra o início da compreensão pela leitura ("uma luzinha quase imperceptível surgia longe, apagava-se, ressurgia, vacilante, nas trevas de meu espírito") e em que descobre a biblioteca na casa de um tabelião.

Costuma-se associar "Infância" ao livro "Memórias do Cárcere" (1953), em que Ramos relata os eventos relacionados à sua prisão por subversão em 1936 e1937, quando ficou encarcerado na Ilha Grande (RJ).

Esse episódio de sua vida foi transformado em filme em 1984 pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, que, 21 anos antes, havia dirigido a versão de "Vidas Secas" no cinema.

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