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terça-feira, 20 de maio de 2008
20 de maio de 2008 | N° 15607
Moacyr Scliar
O que é, mesmo, moderação?
Ser mãe é padecer no paraíso, dizem os versos de Coelho Neto. Ser ministro da Saúde do Brasil também: o ministro José Gomes Temporão que o diga. Sobram doenças, epidêmicas inclusive, faltam recursos.
E de vez em quando o ministro ainda tem de amargar derrotas desanimadoras. A mais recente aconteceu na semana passada, quando a Câmara dos Deputados retirou o status de urgente do projeto de lei nº 2.733/08, que limita a propaganda de cerveja no rádio e na televisão ao período das 21h às 6h da manhã.
Esta era uma bandeira que o ministro tinha desfraldado com apoio de grande parte da opinião pública, apoio que não é de admirar num país que tem um violento consumo de bebida alcoólica: são 19 milhões os brasileiros dependentes de álcool.
As conseqüências, nós as conhecemos bem, vão desde cirrose, lesões neurológicas e câncer até homicídios e acidentes, 70% dos quais estão ligados ao consumo de bebidas alcoólicas.
Mais de 600 mil pessoas assinaram um documento de apoio ao projeto de lei, mas o ministro não contava com o poder do lobby da cerveja, do qual, infelizmente, fazem parte vários parlamentares.
Daí o adiamento da votação, o que muito provavelmente significa engavetar o projeto de lei. O problema do álcool continua aí e vai custar mais vidas, até que se faça alguma coisa.
Alguém poderá perguntar: mas como se explica essa derrota? Como foi possível, no caso do cigarro, limitar a propaganda, e não é possível no caso da cerveja? Bem, existem diferenças. O fumo é essencialmente uma substância nociva, e nociva em qualquer dose. As bebidas alcoólicas, não.
Em pequenas doses, e nos momentos certos, podem até ser benéficas para a saúde: o vinho tinto ajuda a evitar doenças cardiovasculares. O problema é esse, a dose e o momento certo.
Esses pontos figuram nas peças publicitárias, mas de maneira vaga. "Aprecie com moderação". O que significa essa "moderação"?
Troquei idéias a respeito como o doutor Sérgio de Paula Ramos, autoridade em drogadição e um dos defensores do projeto de lei. Consumo moderado, diz ele, tem de ser expresso em números:
no máximo, duas latas de cerveja ou dois cálices de vinho por dia, de acordo com as pesquisas de organismos internacionais.
E, antes de dirigir, nenhuma gota de bebida alcoólica; os riscos a respeito não podem ser expressos de maneira vaga. É preciso dizer, por exemplo, que cerca de 70% dos acidentes de trânsito fatais são causados pelo consumo de álcool.
A Bíblia conta que o patriarca Noé plantou uvas, fez vinho, tomou um porre e deu um vexame, dormindo pelado. Ainda bem que isso aconteceu depois do dilúvio. Se Noé tivesse pilotado a Arca bêbado, provavelmente acabaria batendo num rochedo qualquer. E aí, adeus, humanidade. E adeus, também, publicidade da cerveja.
Jorge Amado e Zélia Gattai, sua mulher, foram os primeiros escritores que conheci. Quando vinham a Porto Alegre, hospedavam-se na casa de meu primo Carlos Scliar, artista plástico, amigo e companheiro de lutas políticas de Jorge e Zélia.
Eu era gurizinho e minha mãe levava-me para ver os escritores - só ver, porque eu, tímido, não me atrevia a falar com eles. Em Um Chapéu Para Viagem, Zélia lembrou essas visitas a Porto Alegre.
Contou muita gente ia visitá-los, incluindo, em suas palavras, um menininho loirinho, bonitinho, que depois seria o escritor Moacyr Scliar. Esse menino está tão distante, que já nem lembro dele. Mas nunca esquecerei Zélia Gattai.
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