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sábado, 17 de maio de 2008
17 de maio de 2008
N° 15604 - Opinião ZH | Cláudia Laitano
Virando o jogo
Um game chamado Grand Theft Auto 4 (GTA 4) tornou-se o produto de entretenimento mais vendido da história no dia do seu lançamento, anunciou esta semana o Guinness Book. Em apenas 24 horas no mercado, o GTA 4 vendeu 3,6 milhões de unidades.
O Guinness informa que esse número supera qualquer jogo, filme, disco ou livro já vendido no planeta - o recordista anterior era o livro Harry Potter e as Relíquias da Morte, o último da série. O jogo chegou na última segunda-feira ao Brasil, ao preço estratosférico (pra mim, pelo menos) de R$ 229,90 - e já está vendendo como pão quente.
GTA 4 é o Titanic dos games, o Harry Potter das diversões eletrônicas, e mesmo assim tão desconhecido para a minha geração quanto o novo disco de Milley Cyrus (outro fenômeno pop mundial restrito ao público entre seis e 19 anos).
O fato de esse Titanic passar sem sequer fazer marola na atenção da fatia mais madura do planeta indica, entre outras coisas, que os adultos definitivamente viraram um público secundário no universo do entretenimento - ou seja, é possível vender muito aos filhos sem que os pais sequer tomem conhecimento do que está acontecendo no quarto ao lado.
As vendas da indústria de games têm crescido aos pulos nos últimos anos, superando a música e o cinema, tanto em lucro quanto em unidades vendidas. Se a indústria fonográfica bombou dos anos 50 aos 80 (Elvis Presley, Beatles, Michael Jackson, Madonna...) e o cinema inventou os blockbusters a partir dos 70 (Tubarão, Guerra nas Estrelas, Indiana Jones, Titanic), os anos 2000 pertencem aos ases do joystick.
Para quem, como eu, tomou conhecimento apenas esta semana da existência de uma legião de 3,6 milhões de pessoas que aguardava ansiosa pela chegada do GTA 4 às lojas, não foi exatamente espantoso descobrir que parte do fascínio desse jogo vem da violência escancarada e sem limites: assaltos, assassinatos, prostituição, espancamentos de velhinhas - a lista de contravenções é virtualmente inesgotável.
Com tecnologia de ponta, o que torna as imagens ainda mais realistas, e música vibrante para turbinar as emoções, o GTA 4 é mais ou menos como um filme muito violento em que o espectador/jogador pode escolher situações e comportamentos sem censura, colocando-se no papel do anti-herói politicamente incorreto que dirige bêbado, atira em policiais e chama serviços de prostituta (com a opção de espancá-las em seguida, evidentemente).
Os fãs dizem que tudo não passa de uma grande brincadeira e que matar velhinhas virtuais é tão inofensivo quanto dizimar todos os exércitos vermelhos no jogo de War. Pode ser.
Mas diante do sucesso de um jogo que basicamente celebra o fim da civilização me sinto mais ou menos como minha avó ouvindo um disco dos Rolling Stones - a diferença é que a geração dela, para o bem e para o mal, nunca se sentiu obrigada a decifrar os gostos e os insondáveis interesses da geração seguinte.
Não deixa de ser curioso que esse marco histórico da supremacia dos games diante de outras formas de entretenimento aconteça em meio às comemorações do maio de 68 - data que simbolicamente inventa o "poder jovem" no mundo da cultura e do consumo.
Quarenta anos depois do "não confio em ninguém com mais de 30 anos", o slogan há muito deixou de ser revolucionário. A novidade é o tom ameaçador que a frase assume quando lembramos que, logo logo, seremos nós os velhinhos na tela do GTA.
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