quarta-feira, 28 de maio de 2008



28 de maio de 2008
N° 15615 - David Coimbra


A comida de-li-ci-o-sa

Aconteceu algo estranho com o meu nenê, ontem. Lá pelo meio da manhã, ele começou a chorar e não parou mais. Meu nenê não é de chorar. Faz cocô, não chora; faz xixi, não chora; bate com seu pequeno nariz na borda da mesinha, não chora também.

Macho, manja?

Mas, ontem, chorava às catadupas. Chorou uma hora inteira e ninguém sabia o que sucedia. Será fome? Providenciaram-lhe bananinha amassada, papinha, ele experimentou um bocado de ambas e refugou. Refugou! Estranho. Esse nenê não é de refugar comida. Sede? Vieram com um suco de alguma coisa, ele bebeu um pouco e prosseguiu com a choradeira, as lágrimas pulando no parquê como pingos de chuva. Quem sabe é um dentinho nascente que está a lhe rasgar a gengiva? Passaram-lhe Nenê Dent. Não adiantou. E agora? Com febre não estava. A garganta também parecia em ótimo estado, rosada como um salmão fresco. O que seria, Cristo???

Aí a Bia, a Superintendente de Administração Doméstica, sugeriu:

- Será que ele não quer leite?

Leite? Hm... Por que não tentar? Assim foi feito. Quando ele viu aquela mamadeirona, uau!, disse assim:

- Abu!

E foi uma festa. Bebeu tudo sofregamente e, logo depois, seu costumeiro bom humor estava de volta, ele ria do mundo atrás de suas bochechas rosadas e gordinhas.

Refleti muito a respeito deste caso caseiro. E concluí que entendo meu filhinho. Sou como ele. Ou melhor: ele é como eu. Quer ver? Tempos atrás, traçava cedilhas e tils, aqui na Redação, e sentia uma fome de gordo. Liguei para a Marcinha:

- Estou sentindo uma fome de gordo, vamos a algum restaurante comer gordamente?

Ela respondeu que não era necessário: na noite anterior havia recebido algumas amigas, o jantar sobrara e agora tinha uma comida de-li-ci-o-sa à disposição. Uma comida deliciosa. Era disso que eu precisava. Era, sim, senhor.

Em meia hora, cheguei em casa. A mesa estava posta, taças de cristal para o vinho, guardanapos de pano e tudo mais. Esfreguei as mãos:

- Agora, a comida de-li-ci-o-sa! Oh, rapaz, como quero uma comida de-li-ci-o-sa nesse momento!

Então, a Marcinha fez aterrissar na minha frente os seguintes pratos: musse de atum, quiche e alface. Comi em cinco minutos e fiquei esperando, a perna batendo de impaciência. A Marcinha me olhou:

- Que foi?

- Ué, estou esperando a comida de-li-ci-o-sa.

- Mas é essa!

- Qual?

Ela apontou para o musse e a alface e o quiche:

- Essa!

Abri a boca, pasmado. Cara, meu deu um mau humor, mas um mau humor... Nunca fico de mau humor, mas, se estou com fome e me prometem uma comida de-li-ci-o-sa e me servem musse de atum e alface e quiche, aí, por Deus, aí fico de mau humor. Transformo-me em um tigre com dor de dente.

Não falei nada, não reclamei, mas a Marcinha percebeu. Começou a chorar:

- Não gostou da comida de-li-ci-o-saaaaaa...

Não consegui mentir:

- É que pra mim isso não é comida, beibe.

Exatamente como meu filhinho: bananinha amassada, papinha, sopa, suquinho, nada disso para ele é comida. Comida, para ele, é leite! Ele não se contenta com qualquer coisa. Só se satisfaz com leite. Leite, entenderam! Leite!

O Flamengo também é como meu nenê e como o pai dele. O Flamengo ousa, busca grandes jogadores e, na sua torcida, vê-se uma faixa estendida, como se viu no jogo de sábado:

"Brasileiro é obrigação".

Obrigação! O Campeonato Brasileiro! Nada desses paliativos como classificação para Libertadores ou Sul-Americana ou não cair para a Série B. O Flamengo quer o título. A taça. O leite!

Enquanto isso, diz-se que, no Beira-Rio, não existe pressão. Lá, o time pode perder à vontade que ninguém reclama. Uma pena. Porque, como bem sabe o meu nenê, quem não chora, não mama.

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