sábado, 17 de maio de 2008



18 de maio de 2008
N° 15605 - Luis Fernando Verissimo


Parados

Entrou no táxi parado no ponto e pediu:

- Rua tal, número tal.

O motorista virou-se para encará-lo e perguntou:

- Tem certeza?

- Como, "tem certeza"? Tenho sim. Vamos lá.

- O senhor sabe como está o trânsito naquela zona?

- Muito ruim, é?

- Péssimo. E não é só naquela zona. É em toda a cidade. Tudo parado.

- Eu sei, eu sei. Mas eu preciso ir.

- Precisa mesmo?

- Olha aqui, meu amigo, se você não quer me levar...

- Não, pense bem. Precisa mesmo? Certeza absoluta?

- Claro. Tenho uma reunião importantíssima.

- Importantíssima?

- Bom... Importante.

- Importante?

- Está certo. Não é questão de vida ou morte. Pensando bem, nada é uma questão de vida ou morte. A não ser a morte.

- E a vida.

- Como assim?

- A única coisa vital da nossa vida é a nossa vida. O senhor concorda?

- Não sei se eu...

- Tome o seu caso. Correndo para ir a uma reunião importante que não é tão importante assim. Enfrentando trânsito que não anda, se irritando, enfim, se matando. Transformando uma questão que não é vital numa questão de vida e morte. É ou não é? - É, mas...

- Eu sei. O senhor precisa ganhar dinheiro. Tem que sustentar a família. É casado?

- Estou me separando...

- Então. Precisa de dinheiro. Eu também. Não posso ficar parado. Mas o dinheiro não compra vida. Pelo contrário, a gente gasta vida para ter dinheiro. É uma troca em que sempre se sai perdendo. Qual foi o problema?

- Como?

- A separação.

- Ah. Pois é. Foi isso. Eu vivo irritado com essa loucura toda, ela vive irritada, nós acabamos só nos irritando mais um ao outro. Mas foi ela que quis se separar.

- E não tem jeito mesmo?

- Sei lá. Por mim, teria. Mas ela diz que eu não consigo me desligar do meu trabalho e das minhas preocupações. Que eu estou sempre ligado, que viver comigo é como viver com uma caixa 24 horas.

- Faça o seguinte. Quando chegar em casa hoje, gire um botão imaginário, ou torça o seu próprio nariz, e diga que está se desligando. Que nada é mais importante na sua vida do que o amor dela, e do que ficar com ela.

- É, pode dar certo.

- Eu sei que vai dar

- De onde você tirou tanta sabedoria?

- Dos engarrafamentos. Trancados no trânsito o dia inteiro, temos duas opções. Ou nos transformamos em neuróticos com fantasias assassinas, ou aproveitarmos o tempo parado para filosofar. Eu escolhi a filosofia.

- Talvez você possa me ajudar com outro problema...

- Só um instante. Se o senhor não se importar, vou ligar o taxímetro durante a sessão.

- Tudo bem.

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