quinta-feira, 22 de maio de 2008



22 de maio de 2008
N° 15609 - Luis Fernando Verissimo


A padroeira

A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma das tantas jóias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não prepara o visitante para a opulência barroca do seu interior.

O campanário fica afastado do corpo da igreja e nada tem de imponente. Os sinos da Capela de Padre Faria badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e os eventos, e não soam nem melhor nem pior do que os outros.

Mas os sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros. Quando Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro, todos os outros celebraram a notícia.

Afinal, tratava-se da execução de um traidor, de um inimigo da sociedade. Os sinos de Ouro Preto festejaram o castigo exemplar de um réprobo e o triunfo da legalidade sobre a rebeldia.

Mesmo que o toque festivo não tivesse sido recomendado às igrejas pela Coroa, a celebração se justificaria. Mas os sinos da Capela do Padre Faria dobraram Finados.

Pela primeira e única vez na história, talvez, os sinos da Capela do Padre Faria destoaram do concerto. Tocaram, sozinhos, uma batida fúnebre pelo martírio de Tiradentes.

Não conheço bem a história e não sei o que motivou as badaladas subversivas. Um pedido de secretos simpatizantes da Inconfidência? Apenas uma manifestação de piedade cristã? Um sineiro bêbado? Não sei.

Minha tese preferida é de que alguém responsável pelos sinos teve um vislumbre histórico. Teve a presciência que ninguém mais teve e ordenou o toque plangente, em homenagem precoce ao futuro herói e pelo ocaso do poder colonial que seu sacrifício desencadearia.

Nossa Senhora do Rosário serviria como padroeira, não de quem consegue adivinhar a História mas de quem vê além das mesquinharias do cotidiano e entende o momento que está vivendo.

Jornalistas, principalmente, deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, o que lhes daria um senso de História.

Pois somos dados a badalar em conjunto o que não tem importância, ou o fato errado, e a menosprezar a batida diferente dos que vêem mais longe. Ou tentam.

Os sineiros de Ouro Preto não tinham como saber que estavam festejando a morte de um herói. Faltava-lhes a perspectiva histórica para entender o momento e só cumpriram o que se esperava deles. Estão perdoados. Mas que nos sirvam de lição.

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