sábado, 17 de maio de 2008



17 de maio de 2008
N° 15604 - Nilson Souza


Labirinto moderno

Uma vez fui solicitado a escrever um texto sobre o significado do automóvel para a humanidade. Pensei no prazer de dirigir, na possibilidade de deslocamento confortável por grandes distâncias, no incomparável cheirinho de carro novo.

Mas pensei, também, na poluição do ar, nos acidentes de trânsito, nos atropelamentos. E acabei fazendo uma comparação entre o automóvel e o Minotauro, o monstro da mitologia grega com corpo de homem e cabeça de touro que apavorava os habitantes da ilha de Creta.

Segundo a lenda, a fera cobrava pedágio em vidas humanas, de jovens, exatamente como faz atualmente esta máquina de velocidade pela qual somos todos apaixonados.

O curioso da história é que o Minotauro vivia num labirinto, onde quem entrava jamais encontrava a saída. Pois não é que agora a fera moderna trouxe o labirinto até nós?

O trânsito das grandes cidades está se transformando rapidamente num emaranhado de ruas sem saídas. Dia desses registrou-se em São Paulo um engarrafamento de 266 quilômetros - uma inimaginável fila de carros parados e motoristas irritados.

Onde está o fio de Ariadne - o novelo de linha que permitiu ao herói Teseu escapar da armadilha depois de ter liquidado o monstro assassino?

Sinceramente, não vejo perspectiva de saída. Ouço de gente respeitável que a alternativa é investir no transporte coletivo, metrôs, ônibus e trens que nos possibilitarão deixar o carro em casa. Pode ser até que funcione.

Mas somente com uma mudança profunda na mentalidade das pessoas que já se habituaram ao conforto e à autonomia do próprio veículo. Temo que sejamos egoístas demais para renunciar à exclusividade.

Se tivéssemos este espírito de renúncia, não estaríamos pagando um preço tão alto em vidas humanas para continuar usufruindo dos prazeres do minotauro de rodas. Por que não corremos menos? Por que não construímos automóveis que só andam devagar?

Por que não pegamos ônibus de vez em quando? Por que não andamos mais de bicicleta ou mesmo a pé? A resposta me parece óbvia: inventamos uma máquina para nos servir e nos tornamos seus escravos. Agora, ela nos arrasta para o seu labirinto.

O touro branco também chegou a Creta como um presente dos deuses e se transformou numa maldição. Mas não percamos a esperança: o monstro mitológico foi vencido por uma conjugação de coragem, amor e um prosaico novelo de linha de costura.

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