quarta-feira, 28 de maio de 2008



28 de maio de 2008
N° 15615 - Paulo Sant'ana


Holocausto permanente

O Jornal da Globo começou a mostrar anteontem uma série de reportagens sobre a falência do sistema carcerário brasileiro.

Em inúmeros presídios nacionais, em celas que cabem seis homens, são colocados mais de 30.

Em alguns presídios, a ração de comida aos presos é distribuída em sacos plásticos, sem talheres.

Tem de haver uma cuidadosa seleção de presos por parte dos carcereiros. Um deles que cair na cela da facção rival será estraçalhado.

Por isso morreram em 2007, só num ano, 1.250 presos. Ou seja, são assassinados por dia três presos nas cadeias brasileiras.

As imagens da Globo são horripilantes. Quem não morre por assassínio morre dali a pouco por doença. Doença que é adquirida ou agravada no recinto carcerário.

De alguma sorte e sem critério, está criada a pena de morte no Brasil.

Todas as vozes de presos que foram entrevistados entre as grades gritavam uma só palavra: inferno.

Não há solução para o problema penitenciário. Por dois motivos: os governos encaram-no com indiferença e a opinião pública brasileira, em sua quase totalidade, é a favor desse estado de coisas, inteiramente dominada pelo terror que os bandidos impõem nas ruas.

Aqui mesmo, no Presídio Central porto-alegrense, há 4,2 mil presos, onde só deveriam caber mil.

Todos os dias são recolhidos ao Presídio Central dezenas de presos. Evidentemente que, se permanecessem lá todos os presos, em breve eles seriam 10 mil.

Como a matemática é ciência exata e o número de moradores do presídio excede a qualquer pouco razoável lotação, o mesmo número que é recolhido diariamente tem de ser solto.

Nos presídios não há qualquer método de educação profissional, imperando somente o ócio. O que fazem os que são soltos - poucas horas ou dias depois da soltura?

São presos novamente. É uma roda-viva, engrossada pelos criminosos estreantes.

Quem pensa que só os que vivem o inferno são os presos está redondamente enganado.

Quem lida com eles também sofre barbaramente. Quem? Os carcereiros. Ninguém é de ferro para policiar presídios dominados pela selvageria e barbárie. E ninguém que cuide dos presos e se aproxime deles nesse ambiente de fúria e miséria pode deixar de tombar psicologicamente.

Quem mais sofre com esta realidade estontantemente brutal dos presídios? Os promotores. São os que têm a obrigação de acusar os réus, sabendo que sua eficiência profissional vai redundar no extermínio da pessoa humana no interior dos presídios.

E como pode dormir à noite com tranqüilidade um juiz que condenou os presos ou o juiz das execuções criminais, que tem o encargo de administrar a pena? Mas administrar de que jeito?

E os familiares dos presos? Quanto sofrem, sem nada terem feito para ser assim bestialmente castigados!

Há toda uma coletividade que cerca os presos que tem a ver com eles, desde os policiais até os encarregados de sua custódia e penalização, que se comovem até quase a revolta com a degradação do sistema penitenciário brasileiro.

Não tem solução este talvez mais grave problema brasileiro. Porque o povo brada por providências contra os criminosos, ignorando que sem presídios decentes as ruas continuarão cada vez mais perigosas.

Construir presídios não dá votos. Os R$ 539 bilhões do PAC não contemplam novos presídios.

E o que acontece nos presídios brasileiros é um holocausto de tortura e morte que envergonha a nação.

E a opinião pública aplaude. Se a opinião pública aplaude, os governos atendem-na.

É uma barbárie maior que o holocausto judeu e os 40 milhões de russos eliminados e torturados por Stalin.

A dos presídios brasileiros é maior porque atravessa os séculos. Em silêncio. Sacia a sociedade.

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