sexta-feira, 3 de dezembro de 2021


03 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Duas músicas especiais

Gosto de quase todas as músicas do Fito Paez. Quase todas. Uma em especial. O título é Al Lado del Camino. Ele conta que gosta de ficar à margem da estrada da vida, fumando tranquilamente e observando o que acontece no mundo.

John Lennon dizia algo parecido em sua bela canção Watching the Wheels. Na época em que a compôs, ele havia parado de trabalhar. Passava os dias em seu apartamento no edifício Dakota, fazendo pão para o filho que teve com Yoko Ono.

Watching the Wheels, Observando as Rodas, é sobre isso. Lennon conta que as pessoas o criticam por ter interrompido os shows e a gravação de discos, mas jura que está bem, está feliz, e que gosta de ficar olhando as rodas da vida a girar, sem ter participação direta na ação.

Este sou eu. Quero me aboletar num camarote confortável deste teatro e ser espectador. E já que não fumo, como Fito fuma, ficarei apenas vendo e me divertindo, como o cinéfilo que come pipoca e ri no escuro do cinema. Até porque, em geral, quem tem interesse em fazer parte do jogo, tem responsabilidades e, mais, tem culpas. Há um trecho da estupenda composição de Fito em que ele expõe a raiz do problema:

"En tiempos donde nadie escucha a nadie

En tiempos donde todos contra todos

En tiempos egoístas y mezquinos

En tiempos donde siempre estamos solos

Habrá que declararse incompetente

En todas las materias del mercado

Habrá que declararse un inocente

O habrá que ser abyecto y desalmado".

Você entende? Ou você é "incompetente em todas as matérias do mercado" ou é responsável por um pedaço do tanto que anda ocorrendo por aí. Olhe para os lados. Veja como estão as coisas. Você tem certeza de que quer ser visto como protagonista desse filme? Lembre-se que não há mocinhos na história. Todos são abjetos e desalmados.

Eu, não. Eu estou fora. Saí à francesa, me esgueirei pelos cantos e me pus a uma distância prudente das certezas. Não tuitarei verdades, não condenarei canalhas, não lutarei para consertar o mundo. Posso estender a mão para o irmão caído, posso dar consolo ao amigo abatido, mas não me peça para carregar bandeiras. Não me peça veredictos.

Vamos nos divertir, certo? Vamos tomar chopes cremosos, vamos encarar o futebol, o cinema, o teatro, os livros, a música e, o mais importante, as relações humanas como diversão. Porque o bom da vida é se divertir. Se não for divertido, o que é que estamos fazendo aqui? Não me incomode. Estou à beira do caminho. Vendo as rodas a girar.

DAVID COIMBRA

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