02 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Os protestos contra as obras na orla do Guaíba
Um dos políticos mais interessantes que conheci foi Alceu Collares. Sempre de bom humor, sempre engraçado e sempre ladino no bom sentido, no sentido de homem ligado, rápido no raciocínio e na resposta que sucede o raciocínio.
Essa obra hoje festejada pelos porto-alegrenses, a área de lazer na orla do Guaíba, foi iniciada por Collares, quando ele era prefeito de Porto Alegre. Enfrentou grande oposição. Entre tantos atos contrários à abertura da avenida, lembro de um, em 1988: milhares de pessoas foram para o local, deram-se as mãos e "abraçaram o Guaíba" simbolicamente, em um protesto comovido. O então candidato Olívio Dutra deslocou-se até lá e apertou as mãos dos protestantes, um a um, que gritavam:
- Olívio! Olívio! PT! PT! Lembro da matéria da RBS TV, que destacava ser aquela a maior manifestação ecológica da história do Estado. Os jovens, emocionados, repetiam:
- O rio é nosso! Então, com o peito tomado pelo sentimento grandioso de quem está protegendo o planeta, eles se puseram lado e lado, se abraçaram e formaram uma fila de três quilômetros, todos de frente para o rio, banhados pela luz cor de laranja do pôr do sol.
Veja você, leitor, como a boa intenção pode ser nociva. Hoje, a Avenida Beira-Rio e a Orla planejada, revitalizada e remodelada com inteligência e bom gosto são, talvez, o espaço mais belo de Porto Alegre. A Orla recebe famílias, grupos de jovens e de velhos, recebe gente que pratica esportes, faz piqueniques ou simplesmente passeia com despreocupação. A Orla, agora, é realmente "nossa", dos porto-alegrenses. Antes, quando os bem-intencionados e bem equivocados manifestantes a abraçaram, não passava de um lugar inóspito, com touceiras, mato e lixo, aonde ninguém ia, até por medo de ser assaltado.
Esse nosso espírito de oposição, esse nosso cinismo, essa nossa eterna rebeldia adolescente, características do brasileiro em especial e do porto-alegrense em particular, isso parece tão jovem, idealista e abnegado, e é na verdade tão tolo...
Quando Collares propôs aquela obra, nos anos 80, nunca houve uma disposição colaborativa na cidade. Ninguém analisou a obra em si, mas apenas quem a propunha. Os que eram a favor de Collares eram a favor da obra, os que eram contra Collares eram contra a obra.
É assim, no Brasil: o mesmo projeto, quando anunciado por políticos diferentes, tem recepções diferentes. Que desgraça nacional.
Nessa crônica, queria falar sobre a divertida manha de Collares, como prometera antes, mas a lembrança da polêmica da Orla me fez desviar do assunto. Falarei mais tarde de Collares, mas, hoje, reconstruo essa imagem para a apreciação do leitor: a de milhares de jovens cheios de bons sentimentos no coração e de péssimas ideias na cabeça, abraçando o rio supostamente em nome da preservação da natureza, mas na realidade em nome do atraso, fazendo mal à cidade, mas com boa vontade, com alegria, com orgulho juvenil.
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