O passado no futuro
Bem-vindo ao passado no futuro. Deve ser assim que se sentem os músicos e performers de toda a ordem naqueles lugares onde as restrições de circulação e convivência retornaram por causa das novas ondas de pandemia ou pelas novas letras do alfabeto grego. Tudo reaparece como no passado recente, naquilo que se chamava, na linguagem da moda, novo normal e que agora está mais para novo normal intermitente.
Orquestras, teatros, óperas, dança, sabe-se lá, todos estão no mesmo barco sobre essas ondas incontroláveis. Os antigos novos protocolos para evitar ao máximo o contato interpessoal no palco e na plateia já tinham sido abandonados; agora estão de volta. Por isso esse gosto amargo de intermitência, esta interferência amarga do ontem no hoje.
Um dos novos protocolos foi o dos concertos mais curtos: duas obras, três no máximo, e estamos conversados - ou musicados. Sem cafezinho, sem espaço para os encontros e conversas que também são parte da convivência em concerto. Uma sinfonia, um concerto para piano, não muito longos e sem intervalos para descansar os ouvidos, e está terminado o assunto.
Aqui, as coisas normalizaram um pouco, principalmente a partir do segundo semestre do ano. Concertos e músicas de câmara de volta, várias tentativas de retorno ao presencial - antes se dizia "ao vivo" - para dar um tempo nas lives já tão esgotadas no seu potencial de novidade, embora seus conteúdos ainda possam ser informativos e esclarecedores.
Mas aqui, além das ondas e das letras gregas, há que lidar com uma política que vem enfraquecendo o ecossistema cultural e artístico. É mais uma intromissão do passado, pois parece que estamos revisitando a década de 1970, como se estivéssemos num século que já se foi, mas que teima em voltar, como filme de terror mal dirigido ou história mal contada.
Assim vai terminando o ano, agora que entramos em dezembro. Votos para o ano novo? Ainda é cedo. Por enquanto, basta ter presente que, no Brasil de hoje, há que lutar contra pandemias além daquelas que frequentam os assuntos de saúde pública. Mesmo assim, talvez valha confiar em Gilberto Gil e acreditar que as coisas serão "por algum tempo que afinal passou depressa, como tudo tem que passar". Está aí um pensamento para dezembro.
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