quarta-feira, 2 de setembro de 2020



02 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

A roda-gigante de Porto Alegre

Leio que Porto Alegre gostaria de construir uma roda-gigante à beira do rio. Seria algo grandioso, estilo London Eye, coisa para se ver lá do Sarandi - fundos. Gosto da ideia. Melhor do que a anterior, a da supercuia, do tamanho de um prédio de 20 andares. Ficaria estranho. Já temos aquela escultura esquisita das cuias, que parece uma homenagem ao corona. É o suficiente em questão de mau gosto.

Sei bem que agora pisei em areia movediça. Quero dizer, isso de "gosto". O professor Gombrich, autor do melhor livro de história da arte de todos os tempos, escreveu, inclusive, que não existem razões erradas para se gostar de uma obra de arte, mas existem razões erradas para NÃO SE GOSTAR de uma obra de arte. Acredito nessa ideia. Mas fico pensando no que o professor Gombrich diria, se estivesse vivo, viesse a Porto Alegre e desse uma olhada nas obras de arte contemporânea que foram espalhadas pela cidade. Talvez ele modificasse um pouco essa tese das razões erradas.

De qualquer forma, voltemos à roda-gigante. Sabe como é que se diz roda-gigante em inglês? Ferris wheel. A roda de Ferris. É que esse homem, George Washington Ferris, foi quem inventou a roda-gigante, no final do século 19.

Foi um processo curioso, uma espécie de desafio, uma amostra do espírito competitivo dos americanos. Em 1889, Paris sediou uma feira chamada Exposição Universal, com a intenção de comemorar o centenário da Revolução Francesa. Para adorná-la, a cidade levantou a Torre Eiffel, que hoje é um símbolo da França, mas na época devia ser provisória - o plano era desmontar a torre ao final da exposição.

Muitos parisienses, aliás, achavam a torre horrorosa, como acho que são as obras de arte contemporânea de Porto Alegre. Entre eles, o escritor Guy de Maupassant, autor de um dos melhores contos da literatura universal, Bola de Sebo (leia!). Maupassant dizia que a torre era medonha. Mesmo assim, ia todos os dias almoçar no restaurante que ficava DENTRO dela. Um dia alguém perguntou:

"Se o senhor considera a Torre Eiffel tão feia, por que vai todos os dias almoçar em seu restaurante?".

E Maupassant: "Porque lá é o único lugar de Paris de onde não posso vê-la".

Apesar de todo o sarcasmo de Maupassant, os parisienses gostaram da torre e a tornaram permanente, mais ou menos como está acontecendo com o auxílio emergencial do governo brasileiro. E, de fato, a torre foi um sucesso internacional, todos admiravam sua imponência elegante, e admiram ainda.

Bem. Quatro anos depois, os Estados Unidos decidiram promover uma feira mundial semelhante à da França. Várias cidades concorreram para se tornar sede do evento e quem ganhou foi a capital do liberalismo econômico, Chicago.

O objetivo dos americanos era fazer uma feira ainda melhor do que a francesa. Para isso, seria indispensável erguer um monumento tão impactante quanto a Torre Eiffel. Assim, os organizadores da feira fizeram uma provocação aos engenheiros do país: quem conseguiria apresentar um projeto de monumento mais belo e mais original do que a Torre Eiffel?

Foi aí que surgiu Ferris com sua roda, que, segundo ele, seria "mais Eiffel que Eiffel". A princípio, os organizadores temeram que aquela geringonça não desse certo, que caísse e matasse todos os que se arriscassem a subir nela, mas depois, Ferris os convenceu, montou sua roda e se consagrou.

Li essa história num ótimo livro que quero indicar para você se divertir nesses tempos pandêmicos. Mas acabou o espaço, vou falar sobre o livro na próxima crônica. Não se apresse nem se aflija, que, como diria Renato Russo, temos todo o tempo do mundo.

DAVID COIMBRA

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