quarta-feira, 23 de setembro de 2020


 23 DE SETEMBRO DE 2020
MÁRIO CORSO

Sua majestade, o gato 

Convivo com um felino, uma gata tricolor chamada Cora. Foi uma adoção mútua. Ela estava em uma pet, jovenzinha, na espera de cuidadores. Nos olhamos e a coisa aconteceu. Convenhamos, não é uma história original, mas foi assim.

Não estava a fim de mais um animal na minha vida. Já tive tantos. Porém minha mulher não consegue viver sem algo peludo e de quatro patas em casa. Como ela suporta meus cactos, que enchem sem medida o jardim, restou permitir que ela também traga algo afiado para nosso convívio.

Gatos, porque a Diana crê serem eles a única prova de que um Deus bondoso pudesse existir. Afinal, Ele teria criado um felino em miniatura para nosso deleite. Um tigre pocket para passear garboso na selva do lar.

Em dois minutos da chegada da Cora, minha relutância atual antipets evaporou-se. Até porque nos gatos sobra o que mais invejo: elegância. O mais alquebrado dos felinos me ganha de goleada. Por isso rendo-me à majestade que emana do caminhar macio deles.

Penso nos gatos como um empréstimo de elegância ao planeta. Gato adorna qualquer ambiente. Mesmo em um cenário perfeito, ele arrasa. Não há lugar que não melhore com um gato. E o efeito contrário também é positivo, em cenas pobres, tristes, sujas, o gato desponta, direciona a mirada e reparte sua dignidade onde ela é necessária. O gato veio ao mundo para ensinar o garbo, a beleza e o valor do silêncio.

Existe uma exceção, um único desabono à presença felina, mas a culpa não é dele. Quando se rompe o equilíbrio homem/gato e apenas o gato domina o território. A deselegância acampa de mala e cuia. Casa semidestruída cheirando a jaula. Sintoma de um humano despreparado para o encontro com essa espécie de convívio sensível.

O gato é em si, o cachorro expressa-se no movimento, na ação. Duas perspectivas distintas de ser. Como já estou mais velho e cansado, é do espírito do gato que necessito para equilibrar a energia da casa. Até porque foram os gatos e não os orientais que criaram a ioga e a meditação. Os gatos mostraram seu jeito aos orientais e esses, sem dar o crédito devido, passaram ao mundo.

Como sou insone, minha esperança com a Cora é de que ela me introduza nos mistérios do sono, que a paz dela me contagie e eu descubra atalhos ao repouso. Intuo que deve estar ligado ao ronronar, uma das mais notáveis formas de manifestar o gozo de existir.

Mais que meditar ou adotar as contorções alongadas da ioga, mais do que o elegante equilíbrio de trapezista capaz de poupar delicados bibelôs em estantes, é o ronronar que aliviaria os humanos de sua mísera existência. Não sobraria espaço para tanto ódio e ressentimento se soubéssemos o prazer do ronronar. Estou tentando aprender.

MÁRIO CORSO

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