terça-feira, 22 de setembro de 2020

22 DE SETEMBRO DE 2020
NILSON SOUZA

Vencido pelo celular 

Aconteceu em 2016, mas ainda circula pelas redes sociais como se fosse hoje - até mesmo porque o tema não perde atualidade: um professor universitário publicou uma carta de renúncia à docência confessando-se vencido pela concorrência do telefone celular.

- Cansei de lutar contra o celular, o WhatsApp e o Facebook - escreveu ele. - Eles me venceram. Desisto. Cansei de falar sobre assuntos pelos quais sou apaixonado para pessoas que não conseguem tirar os olhos de um telefone.

Foi no Uruguai. O professor Leonardo Haberkorn Manevich, que chegou a ser coordenador acadêmico de Jornalismo da Universidade ORT Uruguay, realmente desistiu de lecionar depois de vários anos de cátedra. No seu desabafo público, ele conta que fez de tudo para atrair a atenção de sua turma, sem sucesso. Relata, inclusive, que certa vez levou para a aula o filme O Informante, sobre heróis do jornalismo, e vários estudantes dormiram durante a sessão.

Num artigo sobre o caso do professor Haberkorn, a revista da Faculdade de Desenho e Comunicação da Universidade de Palermo, na Argentina, concluiu que os nativos digitais perderam a capacidade de concentração, de introspecção, de silêncio, de estarem sós. Diz o texto: "Só na solidão, em silêncio, nascem as perguntas e as ideias. Os nativos digitais não conhecem a solidão e a introspecção: têm 302 seguidores no Twitter, 643 amigos no Facebook...".

Dá o que pensar tudo isso, não é mesmo? Especialmente neste momento pandêmico em que se debate o retorno das aulas presenciais e a possibilidade de o ensino remoto - com a participação imprescindível do celular - ficar para sempre. Afinal, a tecnologia digital é amiga ou inimiga do conhecimento?

Nem amiga, nem inimiga - me parece ser a resposta mais sensata. O celular é uma ferramenta, que pode ser usada para o bem ou para o mal. Uma ferramenta viciante, é verdade, de alguma forma semelhante ao tema do filme que fez os estudantes dormirem: a indústria do cigarro e as substâncias acrescentadas para criar dependência.

Pois aí talvez esteja a chave para este desafio que é de todos - não apenas dos professores -, o de reconquistar a atenção de cérebros enfeitiçados pelo brinquedinho mágico. Tudo depende do conteúdo que se coloque lá dentro. O que não pode faltar é um velho aplicativo chamado persistência.

NÍLSON SOUZA

Nenhum comentário: