sábado, 19 de setembro de 2020

19 DE SETEMBRO DE 2020

FLÁVIO TAVARES

NOVAS FAÇANHAS

Todo 20 de setembro nos remete à Guerra Farroupilha e ao Hino Rio-Grandense para que "sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra". Hoje, porém, ser fiel à tradição do que fomos não é pilchar-se ou dançar a chula nem sequer construir a bela réplica do barco de Garibaldi, mas defender a integridade e o estilo de vida livre e sã que fez surgir a gesta de 1835.

No século 19, o tacão do Império nos aviltava. Hoje, somos ultrajados pelos que degradam a natureza e, assim, nosso modo de viver.

Mas continuamos a resistir. Um dos exemplos concretos (de fato, modelo a toda a Terra) é a mobilização do povo dos oito municípios do Alto Camaquã para impedir a abertura de uma mina de chumbo, cobre e zinco, que degradará a região melhor preservada do bioma Pampa. Gente de fora (a paulista Votorantim e a Iamgold, do Canadá) quer explorar por 20 anos a região das Guaritas, que reúne a mais bela paisagem do Pampa, com suas elevações rochosas encontradas apenas ali em todo o planeta. Trata-se de um dos 21 "territórios montanhosos inigualáveis" reconhecidos pela World Famous Mountain Association (WFMA), que, em apenas 20 anos, seriam só imensos buracos, contaminando o ainda límpido Rio Camaquã com metais pesados (que atacam o sistema nervoso) e chegando à Lagoa dos Patos.

Na Serra do Sudeste, a indescritível beleza das "Guaritas" se complementa em ativa pecuária e agricultura familiar, além do belo artesanato em lã, pele e doces da região do Alto Camaquã.

A mineração só deixou tragédias por lá. Em 1981, vazou mercúrio da mina da Cia. Brasileira de Cobre, em Caçapava, matando peixes e gado. Sugiro ver (pela internet) o filme documentário Dossiê Viventes - O Pampa Viverá, do diretor Tiago Rodrigues e roteiro de Ingrid Birnfeld, para conhecer, de um lado, a beleza das Guaritas e, de outro, o horror que os habitantes de Bagé, Caçapava, Camaquã, Encruzilhada, Lavras, Piratini, Pinheiro Machado e Santana da Boa Vista repudiam, numa nova façanha, como a do hino.

Uma sanha mais cruel que a do Império hoje rodeia certos "empreendimentos", contrariando os alertas da ciência, da ONU e do Papa sobre a degradação do planeta.

Como se não bastasse o horror de pretender explorar carvão à beira do Rio Jacuí, em área de banhados (onde se cultiva arroz orgânico), a 15 quilômetros da Capital, e que poluirá o Guaíba, há outras insânias. Em São José do Norte, querem extrair 600 mil toneladas de titânio e zinco, contaminando com metais pesados a faixa entre a Lagoa dos Patos e o mar. Em Lavras, querem explorar fosfato a céu aberto, contra a opinião dos ruralistas. Derrotar o horror é a nova façanha.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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