quinta-feira, 17 de setembro de 2020

17 DE SETEMBRO DE 2020

DAVID COIMBRA

Uma geração de mimados 

O que me ocorre agora é a história do Barão de Mauá quando menino. Ele ainda não conquistara o baronato, era conhecido apenas como Irineu, tinha cinco anos de idade e morava no interior selvagem do Rio Grande do Sul, quando seu pai foi assassinado a tiros. Isso aconteceu há 200 anos. Se hoje é difícil para uma mulher sustentar dois filhos sozinha, imagine na época. Mesmo assim, a mãe de Irineu suportou com bravura a situação por quase quatro anos. Nesse período, tirou o filho da lida do campo e manteve-o em casa, onde o ensinou a ler, a escrever e a fazer conta.

Irineu aprendia com gosto e evoluía. Mas a mãe acabou se casando novamente, e o segundo marido não aceitava criar filhos de outro homem. A saída foi entregar a filha em casamento, mesmo que a menina tivesse só 12 anos de idade. Já Irineu, com nove, foi mandado para a capital do Brasil, o distante Rio de Janeiro. Foi de navio, sob a guarda de um irmão da mãe. Lá, o tio o empregou em um dos mais fortes armazéns da cidade, onde o garoto teria cama, comida e instrução.

Irineu era esforçado e interessado. Em pouco tempo, destacou-se no trabalho de caixeiro e conquistou a confiança do patrão, o luso-brasileiro Pereira de Almeida. Aos 14 anos, Irineu já era o principal funcionário da empresa. Não muito tempo depois, consagrou-se como o maior empresário da história do Brasil. Não estou dizendo que ele foi o maior empresário no século 19: ele foi o maior empresário do Brasil de todos os tempos.

Irineu compreendeu algo revolucionário para o Brasil do novecento: que ele poderia ganhar muito mais dinheiro se não usasse mão de obra escrava. Essa era a realidade de locais mais avançados, como a Inglaterra e a metade norte dos Estados Unidos. No Brasil, tratava-se de um tabu. Os grandes fazendeiros acreditavam que não sobreviveriam sem a escravidão e sem os privilégios do Estado.

A história do Barão de Mauá diz muito sobre o Brasil em muitos aspectos, mas gostaria de, por ora, me concentrar num único ponto: no fato de ele ter se emancipado aos nove anos de idade.

Isso era comum no século 19, certo. Mas não apenas no século 19. Em 1922, meu avô tinha 10 anos de idade e esmagou o indicador da mão direita trabalhando em um torno de uma fábrica de sapatos. O chefe, vendo-o com o dedo esmigalhado, enfaixou o ferimento com um pano e o mandou para casa. O dedo do meu avô ficou torto pelo resto da vida.

Certo dia, por volta dos anos 70, ele me contou que seu sonho era usar um anel. Perguntei-lhe por que não comprava um, já que ganhava bom dinheiro em sua sapataria. Ele me mostrou os dedos:

"E como é que vou usar um anel, com essa mão?"

Meu avô forcejando no torno aos 10 anos de idade, o Barão de Mauá suando como caixeiro aos nove. Não sou a favor do trabalho infantil, é óbvio que não. Vou repetir com ênfase maiúscula, para não restar dúvida: NÃO SOU A FAVOR DO TRABALHO INFANTIL. Isto posto, prossigo: será que não subestimamos a capacidade, a resistência e a compreensão das nossas crianças do século 21? Será que não os mimamos demais? Será que não estamos formando uma geração de moloides e reclamões, sem fibra e sem resiliência? São perguntas que faço. Não sei quem é capaz de responder.

DAVID COIMBRA

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