26 DE SETEMBRO DE 2020
FLÁVIO TAVARES
O MENDAZ
O mendaz não tem limites pois é alguém incomum. Às vezes, é tão inventivo que chega a cativar, pois vê coisas e situações que não existem, como se feiticeiro fosse.
Na pobreza atual do nosso idioma, talvez não se saiba que "mendaz" é soma de mentiroso e megalômano que inventa realidades e ignora o verdadeiro. Existem mentirosos a granel, cuja mentira até diverte.
Mas há ambientes em que a mentira agride. Um presidente da República, por exemplo, não pode ser mendaz ao falar ao mundo na Assembleia Geral da ONU nem inventar situações para tentar "justificar" o injustificável, como fez Jair Bolsonaro, dias atrás.
A mendacidade atingiu o absurdo. O presidente disse que a imprensa politizou a tragédia do novo coronavírus e, numa tolice infantil, defendeu perante o mundo usar cloroquina contra a pandemia. Culpou "os caboclos e os índios" pelos incêndios que devastam a Amazônia e o Pantanal, e foi adiante no absurdo. Seu governo - disse ele - é vítima de uma "campanha de perseguição" que busca desprestigiar a imagem do Brasil com inverdades sobre as queimadas.
Ao fantasioso, só importa a "imagem". A realidade não conta. Se o presidente dissesse a verdade, confessaria o desastre que seu governo propicia ao meio ambiente. Mas isto é algo fora do estilo (ou manias) de quem fantasia um mundo fora do mundo. A ONU busca o entendimento e, assim, exige a verdade em busca da paz. Do contrário, seria fazer dela uma reunião de inimigos, pois só se engana ao inimigo em guerra.
Quando não nega a realidade, o mendaz se faz de esquecido. Nosso presidente diz, sempre, que no Brasil não houve ditadura e que a ditadura implantada em 1964 não perseguiu nem torturou ninguém.
Agora, porém, em São Paulo, a Volkswagen concordou em indenizar mais de uma centena de trabalhadores da empresa perseguidos, presos ou torturados durante a ditadura. No total, a VW pagará ao Ministério Público Federal e Estadual R$ 36,3 milhões, dos quais R$ 2 milhões serão destinados a investigar outras empresas (entre elas a Folha de S.Paulo) que apoiaram a repressão, e outros R$ 2,5 milhões para identificar as ossadas de presos políticos mortos na tortura e sepultados em valas comuns no cemitério paulista de Perus, como "indigentes".
Outros R$ 16,8 milhões indenizarão os trabalhadores demitidos e presos como "subversivos".
A decisão é histórica. Na cúpula da matriz alemã da Volkswagen, o diretor jurídico Hiltrud Werner lembrou que pela primeira vez a empresa "reconhece violações de direitos fora do nazismo, num capítulo negativo da história do Brasil".
Já não há espaço para a fantasia.
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