30 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Briguei com amigos por causa da política
Criança, para ser amiga de outra criança, basta morar perto. Um guri bate na porta da casa do outro e propõe: "Vamos brincar?"
E eles vão. Nunca se falaram antes, e brincam e riem e é como se fossem irmãos.
Tenho ainda amigos deste tempo. O Amilton Cavalo, por exemplo, eu o conheci não brincando; brigando. Vinha da aula com minha pastinha debaixo do braço e ele estava ajoelhado no chão, jogando gude com outros guris. Passei meio distraído por eles e, de repente, o Amilton, que eu nem sabia quem era, se levantou de um salto:
"Tu chutou a minha joga!" "Hein?" "Tu chutou a minha joga!"
"Eu não!" "Chutou!" "Não chutei!" "Chutou!" "Não chutei!"
"Seu WolfrembaerKRAPTs@#@!"
"Tu é que é um WolfrembaerKRAPTs@#@!"
E nos pegamos na porrada. Só que o Amilton cometeu um erro: atacou rápido demais e deu chance para o contragolpe. Desviei-me do soco e o gravetei. Apertei-lhe o pescoço com a firmeza de um Maciste. Dali ele não sairia por mais que esperneasse. Então, ele gritou:
"Eu me rendo! Eu me rendo! Me solta!"
Soltei-o, feliz que tinha vencido a briga. E ele, traiçoeiro, BUM!, deu-me uma bomba bem no meio da cara. Antes que voltássemos a rolar pelo chão, chegou a turma do deixa disso e nos separou. Meio a contragosto, acabamos apertando as mãos. Então, nos apresentamos, viramos amigos e amigos somos até hoje.
Ainda mantenho contato com vários dos meus amigos de infância. Tivemos trajetórias diferentes, temos histórias diferentes e, em muitos casos, pensamos de formas diferentes, mas a amizade continua firme e boa.
Em dois casos, porém, tive desentendimentos e me afastei de velhos amigos. A política foi a origem dos atritos, mas não o motivo dos afastamentos. A prova é que um caso ocorreu com um amigo de esquerda, e o outro, com amigos de direita.
Os amigos de direita começaram a espalhar fake news num grupo de WhatsApp a respeito de uma colega jornalista. Pedi-lhes que não fizessem isso e dei os motivos: tratava-se de uma infâmia que atingia a família da minha colega, que é uma profissional correta, uma mãe zelosa e uma pessoa decente. Eles prosseguiram com os ataques. Eu saí do grupo de WhatsApp.
Já o amigo de esquerda fez o que sempre fazem petistas e bolsonaristas quando não concordam com algo que ouvem ou leem: insinuou que eu estava emitindo determinada opinião para agradar à empresa na qual trabalho. Não me importo quando este insulto parte de um leitor ou um ouvinte que nem conheço ou de um conhecido que é militante de partido, mas se isso vem de um amigo de infância, bem, aí há problemas sérios com nossa amizade. Decidi dar um tempo nas interações com meu amigo de esquerda.
Repare: não fiquei chateado com meus amigos por razões políticas. Fiquei chateado por coisas que eles fizeram por razões políticas. Porque não me interessa se meu amigo gosta do Bolsonaro ou do Lula. A mim interessa se ele é uma pessoa leal e se seu afeto é genuíno.
O que estou dizendo é que a tão citada polarização política não é a causa real das dissensões e das amarguras de hoje. A causa real são os valores que as pessoas usam para avaliar o mundo e suas relações com as outras pessoas. O que é mais importante para você? Uma ideia? Um partido? Uma causa? Uma religião? A luta em favor dos desvalidos ou contra os preconceitos? Ou um amigo? Seguirei no tema, mas, por enquanto, digo que conheço muitos canalhas com boas ideias, muitos manipuladores que fazem caridade, muitos dissimulados com consciência social. Nem sempre discursos corretos são feitos por pessoas corretas.
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