quarta-feira, 9 de setembro de 2020



08 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Certas máscaras não são para qualquer um

A mãe do Potter, dona Marlene, me deu de presente uma coleção de máscaras que ela fez com suas próprias mãos. São máscaras bonitas, de pano bom e macio. Máscaras elegantes, em diversas cores e padrões, que não tapam demais o rosto; ao contrário, valorizam-no. Sinto-me mais bonito atrás de uma das máscaras da dona Marlene.

Outro dia, ia sair para dar uma caminhada e a Marcinha sugeriu:

"Vai com uma das máscaras da mãe do Potter". Ergui o indicador em protesto: "Jamais!".

E procurei uma reles máscara de papel.

Não usaria uma máscara de gala para dar um passeio vulgar. Não. Aquelas máscaras guardo para uma ocasião especial. Ainda vai acontecer um baile de máscaras, quando a pandemia arrefecer. Então, meu plano é o seguinte: vou levar várias máscaras da mãe do Potter, uma em cada bolso da casaca, que estarei de casaca. Aí, vou ao banheiro e troco de máscara. Chego de volta ao salão e as pessoas comentam:

"Oh, uma máscara nova!". Assim farei durante toda a noite, encantando a alta sociedade porto-alegrense, produzindo doce admiração nas mulheres e azeda inveja nos homens.

Mas é claro que também visto as máscaras da dona Marlene em outras ocasiões. Se tenho algum encontro importante, por exemplo. Recorro a elas para impressionar.

A verdade é que, em seis meses pandêmicos, já se formaram códigos não apenas éticos, mas também estéticos para a utilização das máscaras. A minha sogra, Ana Maria, por exemplo, tem um acervo de máscaras em casa. Ela adora usar máscara. Usa mesmo quando está sozinha, no carro, e até no recôndito do lar. Toda semana ela conta:

"Comprei uma máscara linda hoje". Eu olho e, de fato: máscaras belíssimas. Você sabia que existem máscaras da Louis Vuitton? Um charme. E nem são tão caras, estão entre R$ 9 e R$ 27. Mas não preciso comprá-las, porque tenho as que a dona Marlene fez.

Dias atrás, tinha de fazer umas compras e fui ao shopping. Cheguei lá e peguei a máscara que havia guardado no porta-luvas. Quando fui ajustá-la atrás das orelhas, PREC!, um dos elásticos arrebentou. Maldição. Mas não me acanhei: amarrei um elástico ao outro, prendi-os na nuca e, pronto, entrei no shopping. Fiz as coisas que tinha de fazer, tudo bem, e fui dar uma olhada nas vitrines. Estava parado diante de uma delas, quando ouvi vozes femininas às minhas costas. Virei-me e vi que, ali perto, três belas moças, dessas que costumam florescer a cada primavera em Porto Alegre, observavam-me e riam. Fiquei embevecido: elas riam para mim! Aí um pedaço de frase que uma delas cochichou para outra escapou e me atingiu o ouvido. Ela havia comentado, às gargalhadas:

"A máscara dele...".

A máscara dele! Elas não estavam rindo para mim, estavam rindo DE MIM. Da minha máscara enjambrada. Aquilo me desconcertou. Saí do shopping o mais rápido que pude, coberto de vergonha. Ao entrar no carro, me arrependi da fuga covarde. Devia ter ido embora com mais dignidade, pisando firme, certo de que, em casa, esperam por mim as máscaras da dona Marlene. Mas agora já sei como proceder. Não me aventuro às ruas sem ter pelo menos uma máscara de reserva. De preferência, uma de tecido leve, xadrezinha, coisa mais linda. Há muito que se aprender nestes tempos críticos de pandemia.

DAVID COIMBRA

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