08 DE SETEMBRO DE 2020
NÍLSON SOUZA
Eternidade virtual
Death tech. O nome é sofisticado e anglicizado, como quase tudo neste admirável mundo já velho da tecnologia. Identifica empresas (startups, na linguagem daquela gente estranha) que oferecem um serviço tão necessário quanto temido, mas inegavelmente oportuno para tempos de pandemia: a facilitação no trato com a morte.
Os profissionais desse ramo não apenas nos ajudam a escolher antecipadamente a roupa e a música da despedida como também encaminham coisas que sequer nos passam pela cabeça enquanto ela se mantém firme sobre nosso pescoço: o que nossos herdeiros e amigos devem fazer com nossas múltiplas vidas nas redes sociais? Como gostaríamos de ser lembrados? Os vídeos em que aparecemos lépidos e faceiros devem ser deletados ou cultuados por familiares saudosos como clássicos do cinema?
São dezenas de questões irresolvidas que uma dessas empresas sintetizou assim no seu provocativo anúncio:
- Se você não toma essas decisões antes, alguém vai ter que tomar por você.
Tudo bem quanto a testamento, seguro de vida, doação de órgãos, legado familiar e outras burocracias que exigem firma reconhecida. Pessoas previdentes e lúcidas costumam mesmo deixar coisas assim bem encaminhadas. Mas me parece um tanto arriscado passar procuração a robôs e algoritmos para que decidam sobre a nossa eternidade virtual. Sabe-se lá o que nos aprontarão para garantir mais cliques na nossa biografia.
Prefiro, nesse indigesto tema, a lógica dos mexicanos, que cultuam os antepassados com altares na sala de casa. Eles acreditam que uma pessoa só morre de verdade quando deixa de ser lembrada pelo último dos seus parentes, amigos ou conhecidos. Faz sentido. Se ninguém mais sabe que você existiu como ser humano, que nasceu, brincou, cresceu, sofreu, riu, chorou, trabalhou, amou e foi amado, de nada adiantará manter sua imagem holográfica com voz e movimento no universo virtual. Será apenas mais uma ficção.
A melhor prorrogação da vida é a saudade que plantamos no coração de quem fica.
NÍLSON SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário