sexta-feira, 18 de setembro de 2020


 18 DE SETEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A NOVA AGONIA ARGENTINA

A outrora rica e agora cada vez mais empobrecida Argentina é um daqueles casos intrigantes de insistência no que comprovadamente dá errado. Controle de preços, impostos sobre exportações, barreiras a importações e tentativas de manipular artificialmente o câmbio volta e meia retornam ao cardápio dos governantes. Invariavelmente não dão certo e jogam o país cada vez mais fundo no abismo de suas sequências de crises. Mesmo assim, costumam ressurgir como soluções mágicas que apenas acabam alimentando uma desconfiança interna e externa ainda maior.

O presidente Alberto Fernández não fugiu ao roteiro. Fiel ao histórico de governantes argentinos de esquerda ou ligados ao peronismo que costumam intervir com mão pesada na economia, baixou nesta semana uma série de medidas para restringir a venda de dólares para pessoas físicas e empresas. Ainda taxou em 35% compras com cartão de crédito e débito no Exterior e pagamentos eletrônicos na moeda americana. Tem tudo para produzir os desastres de sempre.

A iniciativa, pretensamente voltada a combater a escassez de reservas cambiais, acabou logicamente levando a uma disparada do dólar no mercado negro. Pode até ter algum efeito de curtíssimo prazo para deter a queda das reservas, mas em seguida terá o efeito contrário. Fará com que investidores estrangeiros e empresas multinacionais, por exemplo, evitem ao máximo levar capitais para o país pela incerteza de que poderão reaver os recursos. O resultado, portanto, caminha para ser um agravamento do problema que a medida deveria combater, com maior carência de dólares, reflexo na inflação e impacto na débil economia local. A desconfiança em relação à Casa Rosada, que aliás está na raiz da redução das reservas cambiais pela coleção de iniciativas do governo, fatalmente crescerá. É o círculo vicioso se retroalimentando.

Como fez mais recentemente o colega brasileiro Jair Bolsonaro, Fernández chegou a sugerir, no início da pandemia, que os empresários do país segurassem preços. No mês passado, foi além e determinou o congelamento de tarifas de celular, internet e TV a cabo até o fim do ano, alegando serem serviços essenciais à população. O mesmo fez antes com a água, o gás, e energia e os transportes. Mas, em outro gesto populista, não se importou com os graves problemas fiscais do país e aprovou, no Senado, uma reforma judicial que vai criar mais de 1,3 mil novos cargos.

Alberto Fernández se elegeu graças à resiliência do kirchnerismo e ao fracasso do antecessor Mauricio Macri em aprovar reformas liberais e recolocar o país no caminho da austeridade. No fim de sua gestão, o ex-presidente também cedeu e repetiu em doses menores as fórmulas fracassadas de congelamento de preços e impostos sobre exportações. Agora, depois de experimentar alta popularidade, Fernández vê sua aprovação se esboroar. Aplicou um dos lockdowns mais rigorosos do planeta, mas pressionado acabou revisando repentinamente restrições e a Argentina passou a ser o quarto país com mais contaminações diá- rias, atrás apenas de EUA, Índia e Brasil.

A agonia melancólica da Argentina vale como alerta para aventureiros e demagogos, inclusive instalados no governo brasileiro. Cultivar ideias populistas e comprovadamente ineficientes, como o intervencionismo estatal, em detrimento da responsabilidade fiscal e de medidas estruturantes, costuma levar ao mesmo destino: crises que levarão ainda mais tempo para serem contornadas e prolongamento do sofrimento para a população.

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