sábado, 12 de setembro de 2020



12 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Uma nostalgia de Porto Alegre

Na sexta mesmo pensei no sanduíche das Lojas Americanas. Curioso isso, não sou um adepto das comidas rápidas, mas aquele sanduíche era especial. Porque era delicioso, sim, foi o melhor sanduíche que já comi na vida, mas também porque simbolizava algo maior. Direi o que é.

Naquela época, minha mãe trabalhava como professora do Estado. Graças sobretudo à valorização que lhes havia dado o Brizola, os professores não ganhavam mal. Então, no dia em que ela recebia o salário, tomava pelas mãos eu e meus irmãos e nos levava para passear na Rua da Praia.

Hoje, as pessoas não fazem ideia do que era a Rua da Praia. Era uma rua sofisticada, com prédios de arquitetura neoclássica e vitrines em que coruscavam as tentações do capitalismo mundial. O Centro todo tinha um ar europeu, era um prazer andar por aquelas ruas e apreciar o desfile dos tipos humanos da Capital.

Lá no alto, na Senhor dos Passos, morava Oswaldo Rolla, o "Foguinho", o inventor do estilo gaúcho de jogar futebol. Quando jovem, ele descia todos os dias a pequena colina da Praça Dom Feliciano para ir trabalhar na Alfaiataria Aliança, no meio da Rua da Praia. Ainda na parte de cima da rua havia o famoso cachorro-quente da Princesa, depois a Galeria Malcon, onde as gatinhas ondulavam de minissaia, em seguida a classuda Casa Masson com seu relógio quadrado e, importante!, a Livraria do Globo.

Erico Verissimo, Josué Guimarães e Dyonélio Machado podiam ser encontrados na Livraria do Globo. Lá, Mario Quintana traduziu quatro dos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. A Livraria do Globo não era uma loja, era um templo. O certo seria você entrar de joelhos na Livraria do Globo, em sinal de reverência, seu infiel!

A Rua da Praia inteira era uma diversão, mas, quando passeava de mãos dadas com a mãe, minha grande expectativa era a visita às Lojas Americanas. Sabe o que é que tinha nas Lojas Americanas? Escada rolante! Tenho a impressão de que foi a primeira de Porto Alegre. Nós nos sentíamos muito tecnológicos, subindo na escada rolante. Sei de histórias de pessoas que vinham do Interior só para vê-la. Chegavam ao pé dos degraus e hesitavam. Algumas senhoras sentiam medo e não se aventuravam a subi-la. Outros, mais intrépidos, iam em frente com denodo. A alegria deles era visível. Você olhava e sentia vontade de sorrir com eles.

No segundo andar, quando você "desembarcava" da escada rolante, havia a lancheria. Nós nos sentávamos e sempre fazíamos o mesmo pedido: sanduíche americano com suco de laranja. Depois de alguns minutos salivando, víamos aterrissar na nossa frente pratos com o sanduíche cortado em triângulos e o suco denso, de laranjas espremidas na hora, a vitamina C saltando das bordas do copo.

Tínhamos direito àquele lanche uma única vez por mês, no dia do pagamento da mãe. Esse é um dos motivos para que uma refeição que hoje soa tão trivial ainda me pareça extraordinária. Mas não é só por isso. É por causa, também, do significado daquele dia. Era um momento de afetividade entre mim, meus irmãos e minha mãe, e também entre nós e a cidade. Aquela Porto Alegre era uma cidade de se fazer a pé. De caminhar e se deter diante de alguma novidade faiscante. De parar para conversar e ver quem passava. Uma cidade amena, de pequenos prazeres mundanos. Uma cidade que nos dava certo orgulho e que nos fazia sonhar com as coisas boas que oferecia. Uma cidade que não existe mais.

DAVID COIMBRA

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