sábado, 13 de agosto de 2016


13 de agosto de 2016 | N° 18607
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

NADA É PARA SEMPRE


Queiramos ou não, vivemos comparativamente, e o que de fato somos sempre será relativizado no pareamento com o desempenho dos nossos contemporâneos. Esta análise é inevitável, a começar pelos nossos cônjuges, que não conseguem avaliar nossa felicidade como construção isolada de um indivíduo que deveria ter vindo ao mundo para prioritariamente contentar a si mesmo, antes de ser enquadrado como parte da uma manada, com expectativas e responsabilidades coletivas, planejadas e monótonas.

Como na sociedade contemporânea não há espaço para essas extravagâncias sem que o ambicioso seja tachado de excêntrico e lunático, acabamos absorvidos pelo turbilhão e, se ninguém mais tem nada a reclamar, sejamos todos bem-vindos ao universo da competição desenfreada e da conquista a qualquer preço neste tempo, ironicamente chamado de moderno, em que, para muitos, até a alma é tabelável.

Não havendo como uniformizar comportamentos porque os artistas são intrinsecamente diferentes, temos de nos conformar com reações que não deixam de ser desconfortáveis só porque são previsíveis. Um dos exemplos dessa dificuldade é o manejo da autoestima que, nunca sendo perfeita, impõe surtos de inferioridade ou de soberba em cada derrota ou vitória, dessas que a vida programa sem consultar os envolvidos.

Como é impossível ser minimamente feliz sob a pressão desses sentimentos inferiores, só alcançaremos a maturidade quando conseguirmos vibrar com o sucesso dos nossos amigos. Antes disso, seremos apenas uns magoados protegidos pelo biombo da dissimulação.

Há um ensinamento clássico que recomenda que identifiquemos os amigos verdadeiros pela solidariedade no sofrimento, uma condição que usualmente espanta os falsos e os efêmeros, e sempre estivemos mais ou menos acordes com isso. Por confiar nesta máxima histórica é que me surpreendi e me encantei com Leandro Karnal (leia entrevista com Karnal no caderno DOC, nesta edição de ZH) que, numa conferência chamada “É mais fácil viver com ética”, colocou esta questão em termos inteligentes e originais. 

Segundo ele, o anúncio de uma doença ou desgraça desperta na maioria das pessoas o sentimento da comiseração, que pode ser confundido com gentileza e amizade. Sendo assim, se quisermos saber com quem de fato estamos lidando, temos de fazer a triagem a partir da abordagem oposta: “Gente, que fase maravilhosa, nunca estive tão feliz, nem jamais me senti tão amado. Além disso, é impressionante como tenho sido convidado para falar em todos os lugares e, outra maravilha, nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida”.

Segundo o autor da proposta, essa frase vai dividir seus interlocutores em dois grupos distintos: os amigos verdadeiros, infelizmente poucos, que de olhos marejados irão festejar a felicidade do amigo, e o enorme bando do sorriso amarelo, que mal conseguirá disfarçar a vontade incontrolável de alertar premonitoriamente: “Cuidado porque essa fase, um dia, termina!”.

Nunca tinha pensado em selecionar os convivas por esse prisma, que até pode ser acusado de agressivo, mas ninguém negará que é inteligente. Por via das dúvidas, melhor prestar atenção em cada momento, já que nada dura para sempre.

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